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Foto: Melissa Marinho |
Continuo a caminhar, sem direção, sem
conseguir compreender o que está à minha volta. Escuridão completa, sólida.
Onde estou? Tento lembrar de como cheguei até aquele local, em meio a
pensamentos desconexos. Consigo visualizar alguns
contornos pálidos, acredito, mas que lugar seria esse? Estou sozinho e minha
cabeça me atordoa, prossigo tentando caminhar no escuro, tateando às cegas,
com receio de esbarrar em alguma coisa. Confusão em minha mente, cenas do passado me perseguem, nem sei bem diferenciar o que penso daquilo que vejo, se é que vejo realmente alguma coisa. Ouço algo? Sim, talvez, se assemelham a...
sussurros. Posso estar imaginando coisas. Sigo, trôpego, em meio ao
intenso negrume. De repente uma sensação diferente, alguém está ali, no
escuro, a me espreitar. Quem é você? Tenho medo. Seja lá o que for, se
aproxima. Tudo é escuridão. Aquela presença me provoca arrepios, me faz mal. Acelero meus passos, logo começo a correr. Não sei bem se chego a algum lugar de fato, mas continuo, corro e corro. Depois de
algum tempo creio ter conseguido me desvencilhar daquela presença incômoda,
paro de correr tentando perceber algum sinal do meu perseguidor. Terei eu sido
realmente perseguido? Talvez não. De repente, a um palmo do meu ouvido, um
grito estridente, arrepiante, ensurdecedor. Meu coração parece saltar do peito,
nem me atrevo a olhar para o lado, fujo novamente como quem foge da morte.
Tento chamar alguém, ninguém ouve. Socorro, socorro! Nem sei se grito ou é
minha mente que me soa, me agride. Estarei enlouquecendo? Desespero, medo,
perco a noção do tempo, pareço estar há horas nesta situação, ou seriam dias,
meses? Minhas memórias me machucam, atos praticados, erros cometidos. Ouço
ruídos, vozes, que me deixam apavorado. O que será isso? Medo, muito medo.
Porque não consigo esquecer? Porque essas coisas me assaltam a mente? Sinto
frio, dor, culpa. Quem são vocês? Quem está aí? Estão me acusando, serão as
vozes ou a minha consciência? Ou é a mesma coisa? Minha cabeça parece a ponto de explodir em dor aguda. Tento fazer uma oração, é difícil, não consigo concatenar idéias,
apenas confusão e angústia. Entre soluços, me ajoelho abruptamente, Jesus
amado, perdão, perdão, perdão!
Algo
mudou. Parece ter passado algum tempo. Silêncio. Imagens, sensações distantes,
vagas, desaparecem rápido, por completo enfim. Teria eu sonhado? Não lembro. Um
sentimento de leveza me inunda o peito. Respiro profundamente o ar puro que me
preenche os pulmões, e a alma. Ao longe, passarinhos. Equilíbrio, paz. Com os
olhos ainda fechados percebo uma mudança no ambiente, certa luminosidade toca
meu rosto. Sinto a maciez do lençol a me afagar o corpo, confortável sensação.
Abro meus olhos, aos poucos, para a suave luz nascente que me atinge, vinda da
janela entreaberta do meu quarto. Independentemente de meus atos, nova chance me
fora concedida. Uma lágrima solitária escorre, vagarosa, a refletir os
primeiros raios de um novo dia.