domingo, 12 de dezembro de 2010

Gestos


Passam ao meu lado de mãos dadas, buscando atravessar a rua. As mãos se separam, instintivamente, ele a larga primeiro, nem sei, talvez os dois se repelem mutuamente, quase de forma imperceptível. Separados, caminham na calçada, um à frente do outro. Distanciam-se mais. De repente, talvez percebendo algo incorreto, se reaproximam, dão as mãos novamente, como que a cumprir um ritual. O racional os faz contrariar o que a realidade impõe. São um casal, precisam agir assim, juntos, mas o movimento dos corpos, as reações, os gestos, me garantem, não são mais um casal, ou não mais serão.

Ela quer ajuda, precisa, ele estende as mãos em auxílio. Ao chegar mais perto percebe, ela chora. Vendo as lágrimas ele se inclina, em um afago, para o beijo carinhoso, cortês, na fronte, e ela, ao sinal de proximidade, de imediato dispara em querer na sua direção. Em um átimo ela dá as cartas, depois recua, mas não a tempo de evitar ser percebida a filigrana que a expõe. Seus gestos demonstraram. Recebe o beijo, gratifica-se, sente, ah sente, ainda mais. Ela o quer. Anseia por maior conexão. Mas tudo o que ele sente é, tão somente, compaixão.


No restaurante, casal jovem, mesa próxima. Juntos, namoram, se tocam, mas vejo nas atitudes dela algo, mínimo, que parece não responder ao que ele sente. Duvido de minha própria impressão, posso estar enganado. Olho os dois. Meu olhar e o dela se encontram de forma casual. Eles continuam os carinhos mútuos, eu com a mesma sensação anterior. Ele pega o copo, se distrai com alguém que passa, eu novamente a encontro em seu olhar, rápido instante. Eles se acarinham, continuam, se beijam, apaixonados, enamorados então. Penso que me equivocara ao interpretar seus gestos. São casados, agora vejo. Em dado momento se abraçam apertados, ele de costas para mim se entrega e afunda o rosto nos cabelos da amada, e ela, abraçada a ele, se vê, enfim, liberta, e, enquanto o acarinha, por cima do ombro dele me dirige o olhar. Agora com firmeza. Eu tinha razão. Ela mantém os olhos nos meus, e me sorri.


Ele vê televisão, interessado no programa esportivo. Aproveita o prato que ela lhe entregou. Ela não senta à mesa, algo a fazer, procura alguma coisa na cozinha. Ele parece não a notar, continua vendo o programa, comendo, absorto. Ela passa perto, mais uma vez, e vai até a sala. Ele pega mais uma fruta no prato. Ela volta, continua no entorno dele, parece ansiar por atenção, espera poder servi-lo com algo mais, como a querer demonstrar desta forma o que por ele sente. Em dado momento ele volta a cabeça, a procura, a observa, estende o braço. Ela olha em retorno e pega sua mão. Sorriem sutilmente. Sem palavras, se aproximam, se tocam, de leve, mas na proximidade plena do sentir. Nestes gestos, a verdade. Eles se amam, demais, demais. Ela tem 69 anos, ele 75.


Ela demonstra vontade de estar a meu lado. Fica feliz quando me vê, nos encontramos e me acende seu sorriso. Jovem, talvez não consiga interpretar a si mesma, parece não entender ao certo o que se apresenta em seu interior. Por vezes assume, o que deseja, não no pensar, mas no vibrar, sinto em seus movimentos. Não sua mente, não seus pensamentos racionais, esses a bloqueiam, mas seu corpo, seu mover, o dizem. Quando nos aproximamos, ao alcance de um toque, este é inevitável. Sempre. Na despedida um abraço, intenso. Nos abraçamos, e mantemos, além. Ah, que abraço. Nestes instantes, a entrega. Mútua. Nossos corpos colados, afagos, ainda assim contidos, ou quase, ansiados. Os corpos reagem. Ela crê ser algo impensável. Ela é comprometida, eu não. Reluta, recusa, não acredita, nega. Mas seus gestos proclamam, e os meus. Ela me quer, eu também.


Podes recuar. Podes recusar. Podes fingir.

Podes até tentar se iludir, mentir, a si.
Podes acreditar mais no que é racional.
No que te é mais seguro.
Podes negar o que teu peito te grita.
Podes procurar externar algo diferente.
Mas a verdade, esta sempre se apresenta.
Pois, a cada movimento, mostras o que és.
Teus gestos te entregam o íntimo.
Eles falam por ti.