quinta-feira, 30 de junho de 2011

Luz do homem, luz de Deus



Foto: Tatiana Girotto


Saí de São Paulo em direção a Bauru, no fim da tarde. Antes de anoitecer, na estrada, quando a quase noite estava para deixar de ser, e o claro azul se transformava em breu, vi que esta noite seria sem nuvens, e ansiei pela lua como companheira de viagem. Eis que a noite veio, e eu no meio do caminho, mas nada da lua. Aos poucos pude ver uma e outra estrela aparecer. Então eu, sozinho, comecei a procurar estrelas. Aos poucos elas foram aparecendo. Eu dirigia e olhava, para a estrada e o céu, a estrada e o céu. Castelo Branco totalmente às escuras, mas ainda com grande influência das luzes da cidade, e eu comecei a brincar de baixar o farol. Eu apaguei completamente o farol várias vezes. A escuridão que fica é a coisa mais linda. Pode parecer perigoso, mas eu fazia apenas por instantes e acendia os faróis novamente. Lindo. Não sei bem explicar a sensação de ver o nada à frente do carro.
A influência das luzes da cidade, luzes do homem, aos poucos foi enfraquecendo, e as estrelas começaram a ficar mais aparentes, lindas luzes de Deus. Mais e mais as estrelas ficavam mais evidentes, mas ainda assim um tanto pálidas, ao menos no início do caminho. Mas conforme fui distanciando da capital o céu passou a ter menos influência das luzes da cidade, começaram a rarear as construções à beira da estrada, e as luzes divinas foram ficando mais marcantes.
É incrível como as luzes do homem, quaisquer luzes humanas, seja uma lâmpada num poste solitário, seja um automóvel à distância, é incrível como estas luzes do homem podem ofuscar as luzes de Deus. As estrelas somem. Deve ser proposital isso, Deus avisando que só fazemos bobagens, sei lá, ou que não conseguimos reproduzir nem algo próximo, nem um mínimo de sua obra de amor. Devia ser proibido ao homem acender aquelas luzes na estrada, neste dia ao menos isso deveria ter sido proibido, ofuscar as luzes de Deus deve ser um pecado daqueles. Rs.
Em dado momento a estrada ficou vazia, sem luzes dos carros para atrapalhar, e coincidentemente não havia construções próximas. Apaguei os faróis, breu completo, mas a visão do céu através do vidro do carro era complicada, pensei em parar o carro, abrir a janela... mas logo apareceu novamente o homem e sua luz imperfeita e intrusa e ofuscou tudo de novo, uma carreta ousou iluminar a estrada. E mais uma carreta. E mais outra. E voltaram as construções à beira da estrada, iluminadas. Fiquei procurando as estrelas, novamente ofuscadas pelas luzes humanas. Carros que passavam, caminhões. E eu andando mais devagar, buscando um momento sem interferência das luzes humanas, e assim tentei por um bom trecho da viagem. Em certo momento parei num posto de combustível, em vão. Não adiantava, tudo iluminado, as luzes humanas atrapalhavam. Saí e voltei à estrada.
E eis que então, depois de mais algum tempo, aconteceu. Em um trecho da estrada não havia luzes de casas para atrapalhar, nenhuma construção à beira da estrada, nenhuma luz perdida até o horizonte, nenhum brilho de cidade ao longe, perfeito. Encontrei um local fácil para parar o carro, e parei. Encostei o carro no acostamento, liguei o alerta. À minha frente, a poucos metros, uma placa apontava a entrada para Barra bonita e uma outra cidade que não me lembro o nome. Alguns carros ainda passavam, luzes do homem que ainda persistiam, mas seria questão de tempo. E então após alguns minutos não havia mais nenhum carro, nem um, para atrapalhar.
Parado no acostamento, desliguei os faróis e o alerta do carro. Escuridão completa.
Saí do carro.
Olhei para o céu, observei a imensidão.
Por mais que eu já esperasse, ainda assim me surpreendi.
Que espetáculo, que espetáculo.
Luzes de Deus, luzes de Deus, incontáveis, infinitas, beleza indescritível. Profusão de luzes divinas a me inundar os sentidos.
Sei que por toda a viagem Deus me acompanhou, me guardou, me protegeu, olhou por mim.
Mas neste momento, aí fui eu que vi...
...vi Deus
Eu e o céu. Eu e Deus.
À beira da Castelo Branco, fiquei parado, olhando.
O céu da minha infância, aquele que eu havia esquecido, voltou lá do fundo da memória. Que lindo, que lindo, maravilhoso espetáculo. Já havia visto isso antes, somente tinha esquecido que tinha visto. Mas neste dia teve um significado especial.
Fiquei assim por alguns minutos...
E então apareceu um carro ao horizonte. 

E outro. 
E mais outro.
Em dado momento os carros ficaram bem freqüentes, e então resolvi sair daquele local, pois a luz do homem não me deixou mais em paz.
Lembro que liguei os faróis e o motor, entrei rápido com o carro pela estrada, e gritei comigo mesmo SER HUMANO, O QUE HÁ COM VOCÊ? OLHE PARA ESTE CÉU!




P.S.: Essa viagem aconteceu em maio de 2009.