quarta-feira, 13 de junho de 2012

No outro lado da rua


Foto: Waldir C. Marinho


Numa esquina em Perdizes, bairro nobre de São Paulo. O pão na chapa do jeito que eu gosto, "sem apertar", apenas com a manteiga derretida. O café expresso com leite em xícara média, nem forte nem fraco, no ponto, na temperatura certa, com adoçante em pó. Hum, delícia. Tomo meu café fora de hora, mas tudo bem, num domingo isso até é comum. A padaria repleta, algumas pessoas já almoçam, um entra e sai de gente, na parte externa há uma fila para comprar frango assado. Saboreio meu café enquanto leio o livro da vez, ótima leitura, e ouço algumas de minhas músicas preferidas com o fone conectado ao celular. Levanto os olhos do livro e observo as pessoas, o ambiente, limpo, organizado, harmonioso. Volto ao livro até terminar meu café, confortável, absorto. Junto ao caixa cedo a vez à uma senhora que leva um poodle no colo, e recebo um sorriso de agradecimento. Pago a despesa com uma nota de cinquenta, estou sem trocado. Saio da padaria na rua arborizada, agradável. Carros passam adiante, pessoas transitam pelas calçadas. Brisa fresca de final de manhã, domingo de sol, tranquilidade, paz. Um dia especial, feliz.

Agora as vejo, um grupo de crianças, maltrapilhas, na calçada oposta à padaria, alguns metros mais a frente. Duas meninas e um menino sentados junto à guia da calçada. Parecem ser irmãos. A menina mais velha, de no máximo uns doze anos, tem um recipiente plástico estilo tupperware nas mãos. Em dado momento ela abre o recipiente, que está cheio do que me parecem ser restos de comida, algum tipo de massa talvez. Percebo então o propósito de estarem ali, sentaram naquele local para almoçar. A menina retira a tampa do recipiente plástico, e então começa a usar a própria tampa do pote com se fosse um talher. Vai recolhendo porções da comida do pote com um dos cantos da tampa e serve às outras crianças, que abocanham a comida servida naquele talher improvisado. E assim a menina mais velha vai fazendo, pega uma porção e estica o braço para servir à uma menininha menorzinha, de uns oito anos, depois faz o mesmo com o menininho de uns dez anos, e em algumas vezes ela serve a si mesma. E faz isso até que acaba a comida do pote.

Eu olho a cena um tanto paralisado. Vejo um carro bonito estacionado em frente, um Mitsubishi. Diversos condomínios de luxo à volta. Na padaria pessoas continuam a saborear seus almoços, e o cheiro de frango assado é fortíssimo, vindo da assadeira localizada na entrada do estabelecimento. E neste mesmo contexto, a metros de distância, aquelas crianças, sentadas na guia da calçada, como se fosse algo normal, comum, aceitável. Não, isso não é algo aceitável. Fico imaginando como deve ser difícil para aquelas crianças comer restos de comida sentindo aquele cheiro forte de frango assado no ar. Fico imaginando como deve ser difícil para elas compreenderem e aceitarem a situação em que estão.

Tenho um ímpeto de comprar um daqueles frangos assados e levar para as crianças mas, não sei bem por qual motivo, protelo, espero mais um pouco. E mais um pouco. A vontade de ajudar não é maior que meu comodismo, minha inação, minha paralisia. Meu egoísmo.

Antes de eu fazer qualquer coisa as crianças levantam e vão embora.

E eu fico em meio a meus pensamentos, me perguntando até quando. Até quando vamos ter tamanha falta de vergonha na cara e continuar a desfrutar impunemente de nossos carros de luxo, de nossos cafés, almoços, jantares, festas, roupas caras, de nossos condomínios, de nossos iphones, ipads, de nossas quinquilharias inúteis, efêmeras e fúteis, enquanto há crianças sentadas na beira da calçada, usando tampas de plástico como talheres, se alimentando de restos de comida, logo ali, a poucos metros, no outro lado da rua.




P.S. Não se trata de ficção, e ninguém me contou isso, eu mesmo vi. Cheguei a tirar uma foto com meu celular, esta que ilustra o texto.