sábado, 24 de agosto de 2013

Uma canção


Foto: Waldir C. Marinho


Primeiras notas de uma canção, antiga, tocante. Pegou-me de surpresa. Despertou-me expressivo silêncio. Algo inexplicável. Lembrou-me do que eu era quando a ouvia há muito, muito tempo. Não o que sou, mas o que deixei de ser, e a melodia me evoca este profundo sentir. O que a canção, em suaves tons, me retorna é outro alguém, outro eu, que ficou para trás. Há quantos anos, nem sei. Como posso ter deixado de ser? Garoto, isso o que eu era, um garoto. Mas onde estará este que se foi? Se perdido foi, como é que ora me retorna, me irrompe assim no peito e me extravasa os olhos? Quem agora chora, serei eu, ele? Será o garoto a me recordar o que fui, me resgatando em forte comoção, em meio a esta canção? Ah, pára, encerra, finda, não me traz este desconforto, esta saudade de mim mesmo. Como é possível sentir algo assim?

Ouço as notas da canção, que me promove esta revolução interior. Ah, o que fui! No que terei me tornado? Fujo do reflexo de agora, prefiro o garoto de outrora, ah, por favor, volte! Quero ser eu, você, novamente! Há tanto tempo... O tempo, o que me trouxe? O que? Muitas coisas, muitas. Inúmeros momentos, diversos, plurais, por todos estes anos, que me conduziram ao que sou, esse alguém cujo peito agora aperta em meio às notas do passado. Esta falta que agora sinto do que passou, por que será, o que terei perdido? Inocência, paz? Será isso o que a canção me faz sentir, falta de ser mais puro, mais leve? Falta de ser menos complexo, menos culpado? Falta de ser mais feliz?

A canção continua, saudosa e incômoda, mas... belíssima. Agora percebo, há também algumas notas, lindas notas, de esperança. Houve perdas, mas ganhos, inúmeros. Enfim, cresci. Amadureci. Envelheci. Aprendi. Passei por dissabores, mas sorrisos. Lágrimas melancólicas, e de alegria. Houve sofrer, mas amar. Adquiri marcas, físicas, e marcas n'alma. Pessoas conheci, caminhos trilhei, impressões deixei, tanto senti. Estarei melhor, agora? Pois sim, eu creio. 

Ah, a canção, que não pára, em meu peito. Por favor não pare! Ainda aqui está, o garoto, acaba de provar que nunca se foi, sempre esteve comigo. Mostrou-se e transbordou-me em pranto, através desta bela canção. As lágrimas são as mesmas, este ainda sou eu. Afinal o que serei, além desta singela, sensível, intensa, emoção?