terça-feira, 1 de março de 2011

Ela não sabia andar de bicicleta


Há alguns meses atrás fui passar uma tarde de domingo com minha filha e umas amigas dela no Parque Villa Lobos, na Zona Oeste da cidade de São Paulo. Para quem não conhece é um parque com extensa área verde, brinquedos, quadras poliesportivas, e uma grande pista para andar de bicicleta. Lá é muito legal e fica bem cheio principalmente aos domingos.
Minha filha tem 12 anos e as amigas idade semelhante, entre 12 e 15 anos, em torno disso. Éramos um total de 5 pessoas, eu e as quatro meninas. Lá no parque há bicicletas para alugar, e quando chegamos cada um alugou a sua, e saímos para passear de bicicleta pelo parque.
Só que ao começar a acompanhar as meninas eu percebi que uma delas parecia não saber como pedalar, embora não tivesse assumido isso. Ela tentava fingir que sabia andar de bicicleta, meio envergonhada. Por momentos carregava a bicicleta com as mãos, depois sentava e tentava dar uma ou duas pedaladas, parava, descia novamente, e assim ficou uns instantes. Minha filha e as meninas saíram na frente pedalando, e eu fiquei mais para trás, acompanhando a tal menina que parecia não saber andar de bicicleta. Ela aparentava ter uns 15 anos.
Ao ficar sozinho com ela perguntei se ela sabia andar de bicicleta. Ela meio envergonhada disse "mais ou menos". Eu enfatizei a pergunta, cobrando a sinceridade total, sabe ou não sabe ? E aí ela confessou que não sabia. 
Fiquei imaginando o que tinha provocado uma menina com cerca de 15 anos ainda não saber andar de bicicleta. Lembrei de quando minha filha aprendeu a andar, comigo, há alguns anos. Naquele instante, ao lado da menina, imaginei que ela deveria ser filha de pais separados, me veio essa idéia. Sei lá bem porque pensei nisso. Bem, na verdade supus que talvez ela estivesse meio desamparada no momento da vida em que normalmente as crianças aprendem a andar de bicicleta, por conta de uma suposta separação, e aí quem sabe o pai ou a mãe estivessem mais ocupados com outras questões do que ensiná-la a andar de bicicleta. Espero não estar sendo injusto, mas foi o que eu pensei na hora, foram suposições, idéias que me vieram naquele instante.
Fiquei um tanto angustiado com uma menina com aquela idade ainda não saber andar de bicicleta. Sei lá se talvez motivado por minha própria situação, de recém-separado, eu fiquei um tanto preocupado com o caso da menina.
Na minha cabeça, naquele momento, é um pouco difícil de explicar, mas creio que fiquei meio obcecado com a situação da menina e com uma grande vontade de ensiná-la a andar de bicicleta. Acredito que em meu íntimo eu projetei aquela situação na minha própria vida, talvez eu tenha imaginado se a minha própria filha tinha passado por isso, por uma certa falta de atenção por conta de toda a situação da separação dos pais, sei lá. Não sei bem explicar, como disse, só sei dizer que tudo me incomodou muito e me pareceu muito injusto se de fato aquela menina não sabia fazer uma coisa tão básica, como andar de bicicleta, por conta de uma possível ausência dos pais devido a uma, repito, suposta separação.
As outras meninas sumiram, já estavam longe na pista de bicicleta, e eu fiquei lá atrás com a menina, coloquei na cabeça que iria ajudá-la a aprender a andar de bicicleta. Comecei então a fazer, com a tal menina de uns 15 anos, o que os pais normalmente fazem com seus filhos de bem menos idade, comecei a ensinar ela a andar de bicicleta, a tentar fazer isso. Orientei como andar, como dar impulso, ajudei-a a segurar a bicicleta enquanto a incentivava a pedalar, para depois largar um pouco e deixar ela pedalar sozinha e pegar confiança, este tipo de coisa. Fiquei alguns minutos fazendo isso. E vou lhes dizer, depois de algumas voltas ela já estava quase quase aprendendo, faltava muito pouco.
Só que minha filha tinha disparado na frente, junto com as outras meninas, e eu tinha a responsabilidade de cuidar, claro, de todas, e para variar ninguém respondia ao celular. Continuei com a menina, ensinando a ela, ela quase aprendendo, e ao mesmo tempo preocupado com a minha filha e as outras, quando de repente uma das outras meninas voltou e se juntou a nós, e ao nos ver percebeu toda a situação. E então esta outra menina, a que voltou, começou a também tentar ajudar a menina a aprender a andar de bicicleta. Neste momento resolvi aproveitar a "deixa" e ir atrás de minha filha, deixei as duas para trás, não sem antes elas prometerem atender ao celular quando eu ligasse, rs. Falei para a menina "continue tentando, não desista", e saí pedalando atrás de minha filha. Lá na frente encontrei a minha filha que estava com a outra amiga conversando, sentada num banco no parque. Ela tinha achado estranho o meu "sumiço" mas eu contei a situação, que eu estava ensinando a amiga dela a andar de bicicleta. Percebi que minha filha ficou com uma pontinha de ciúmes por isso. Rs.
Perguntei então para minha filha sobre a tal menina, que não sabia pedalar, se ela era filha de pais separados, o que minha filha confirmou, como eu tinha imaginado. Aliás se não me engano todas as meninas ali presentes, inclusive minha filha, como vocês sabem, são filhas de pais separados.
Acho que as coisas, hoje em dia, estão meio que saindo do controle neste sentido. Não sou contra a separação, muito ao contrário, acredito que todos temos o direito de ser felizes e de buscar isso. Casais vivendo infelizes sob o mesmo teto é algo absurdo, algo a ser evitado, até porque isso é péssimo não apenas para o casal mas também para os filhos. Filhos querem ver os pais felizes. Eu mesmo me separei e não me arrependo, e percebo que me tornei uma pessoa melhor depois disso. Mas a separação é um processo desgastante e acredito que os casais nesta situação, hoje em dia, estejam esquecendo um pouco dos filhos. Há de se tomar cuidado, muito cuidado, com as crianças, quando casais estão passando por um processo de separação. E vejam que há situações absurdas por aí, muito ruins, envolvendo crianças e pais em separação.
Então fiquei ali sentado com minha filha tentando explicar, nas palavras adequadas, toda esta situação que estava em meu íntimo, até para tentar amenizar a pontinha de ciúmes que ela sentia por toda a atenção que eu havia dado para a amiga dela.
Ficamos ali alguns minutos, tomando refrigerante, conversando.
E aí de repente, depois de um certo tempo, chegaram as meninas que tinham ficado para trás. E eis que a menina que até então não sabia andar de bicicleta, acreditem, estava pedalando, toda feliz, junto com a outra. Ela havia insistido e naqueles minutos, com a ajuda da outra menina, conseguiu aprender a andar de bicicleta.
Eu fiquei muito feliz, muito feliz mesmo.
Pois é, mesmo com toda a confusão de hoje em dia, é incrível como as crianças conseguem se adaptar. Nos surpreender, em todos os sentidos. E muitas vezes se mostram muito mais maduras que os próprios pais.
Orgulho-me muito de minha filha, ela é muito madura, e ela se portou sempre muito bem durante minha separação, e até hoje.
E naquela ocasião, no Parque Villa Lobos, também fiquei muito orgulhoso e feliz com aquela menina, com aparentes 15 anos de idade que, independente dos reveses da vida, enfim aprendeu, naquela tarde ensolarada, a andar de bicicleta.

12 comentários:

Bia disse...

Waldir!

Muito prazer!
Você não imagina a importância deste seu gesto que para muitos pode parecer muito simples, na vida desta mocinha de 15 anos...ela vai para todo o sempre se lembrar deste gesto de AMOR! De COMPAIXÃO!

Meus parabéns por sua atitude!

Adorei seu blog, passo a seguí-lo e lhe convido para conhecer meu OLHAR...onde só vale se OLHAR DENTRO DOS OLHOS!

um beijo!

Bia

Anônimo disse...

Belíssimo texto, lembrou-me Chaplin. Acho que ao crescermos desaprendemos o que é ser Deus. Se pudesse votar no conselho administrativo do céu votaria para que ninguém mais virasse adulto. Abraço, Smiley.

- mel marinho disse...

É pai, concordo com o texto inteiro, e lamento que voce não tenha ficado com o crédito que merecia. Obrigada por tudo.

Unknown disse...

Mel linda, eu dei o incentivo, ajudei, iniciei, impulsionei. Quando ela aprendeu de fato ela estava por conta própria, com a ajuda da outra amiga, e acho que ela aprender "sozinha" valorizou mais a vitória pessoal dela. Para mim crédito foi vê-la conseguindo vencer, foi ter tido a chance de testemunhar esta vitória dela. Beijos do seu pai.

- mel marinho disse...

Mas quando chegamos a casa dela, ela disse à mãe que quem a havia ensinado era a outra amiga, e naquele momento achei que ela deveria ter mencionado voce.

Unknown disse...

Mel, quando ela aprendeu ela estava sendo ajudada pela outra amiga, por isso ela tem essa opinião. O que realmente importa é que ela aprendeu a andar. Certo ? Para mim não importa o crédito, importa que ela venceu. Beijos.

Anônimo disse...

Um dia, almoçando com um colega de trabalho conversávamos e então ele falou sobre uma pessoa que tinha um medo que considerava absurdo.Não me recordo agora o que era.
Naquele momento me veio o seguinte pensamento e falei para ele: Alguém, criança ou adulto, que vivenciou a tragédia da Região Serrana pode desenvolver durante longo período de sua vida uma aversão ao barro ou qualquer componente daquele cenário de dor.
Para quem observa de outro ângulo parece ser algo simples e absurdo uma pessoa demonstrar rejeição ou mesmo pavor ao lidar com algo tão comum como o barro.
Tenho outro colega de trabalho, com mais ou menos 48 anos que não come arroz. Não conheço a fundo detalhes de sua vida, mas passa a impressão de se tratar de um trauma de infância.
Muitas vezes não sabemos o que vai no íntimo de cada pessoa e como cada um consegue lidar com seus medos.
Até que ponto esses conflitos, conscientes ou inconscientes afetam nossas vidas?
Quando me deparei com essa narrativa da menina,assim como o comentário de "Olhar", me tocou essa questão do conflito projetado no futuro, embora sem saber como a jovem estava lidando com tal dificuldade.
Penso que nossa compreensão e auxílio são fundamentais para a existência de quem convive com problemas dessa natureza. Felicidades Diro,
Sérgio.

wkroff disse...

Waldir, tem muitas coisas que deixamos de viver com nossos filhos, mesmo estando sob o mesmo teto deles, sem separação conjugal. O trabalho, os afazeres e obrigações de nossas vidas muitas vezes rouba deles o pouco de nós que poderia lhes restar. A vida moderna está dilacerando as famílias e os relacionamentos.

Anônimo disse...

AHH, Eu tenho 20 e até hj n sei andar de bicicleta =( vergonha total, mas agora tenho vergonha até de aprender, pq todo mundo vai olhar e dizer: Olha o tamanhão da mulher e n sabe andar de bicicleta!! Q Absurdo!!" Acho q sou um caso perdido ='( E meus pais não são separados ...

Bia disse...

Waldir!
Passando por aqui para deixar um beijo e dizer que sinto falta de suas visitas lá no meu OLHAR!

Bia

silkyway disse...

Nossa...Taí outro texto seu me fazendo pensar... Pensar em como, por ignorância ou falta de sensibilidade, deixamos de perceber o quanto o comum para a maioria pode ser o calcanhar de Aquiles ou a vergonha do outro... E o quanto é importante nos despir dos preconceitos e respeitar o outro e suas experiências ou não-experiências...
Adorei o texto e fico feliz pela menina! Que bom que seu olhar e atitude tenham sido tão generosos! Bjo, Silvia

Unknown disse...

Obrigado, pessoal, a todos os que comentaram e leram. Bia, Smiley, Mel linda, meu mano Sérgio, minha prima Wilma, Silvia, agradeço aos anônimos, valeu gente !!!