quinta-feira, 8 de março de 2012

Você mulher


Foto: Waldir C. Marinho

Coincidência, pela terceira vez a via.  Noutro dia havia tentado alguns olhares, e sem qualquer reciprocidade ainda assim insisti na segunda ocasião, naquela lanchonete, quando ela me descartou com elegância. Quis o acaso tê-la novamente em minha frente, no mesmo corredor caminhávamos, direções opostas, em instantes passaríamos um ao lado do outro. Mas não farei nada, não desta vez, jurei. E de fato olhei adiante desde o início, convicto, como se não a tivesse percebido, melhor assim. Minha visão indireta permitia resvalar sua beleza a se aproximar enquanto rumava decidido a não demonstrar interesse, a passar por ela como se não estivesse nem ligando. Mas um segundo antes do quase encontro fui pego, não antecipei, seu perfume... em um átimo me fisgou. Nem queria, ou queria, só sei dizer que quando dei por conta já buscava seu olhar. Seu rosto delicado me escapava, fui virando meu corpo acompanhando o dela, orbitando o astro que passava rápido, como se com receio de perder seu cheiro. Disse-lhe algo, pedi sua atenção. Vitoriosa, ignorou-me, olhou em frente, seguindo seu curso. Um meio sorriso, foi o que vi? Fiquei parado a observá-la se distanciar, entregue à sua dança, até sumir ao longe.

Sentei no metrô à frente dela, mas como? Parece até que a perseguia! Tivesse sido ela a chegar depois de mim pensaria em alguma artimanha, mas fora eu, quem sabe algo planejado por ele, este destino que insiste em nos colocar frente a frente. Como evitar os olhares nem sabia, o rubor então, tomara ela não tenha visto. Tentei ler alguma coisa, desconcentrado diante do magnetismo que seduzia meu olhar. Uma senhora se aproximou, levantei e lhe cedi o lugar, melhor assim, de pé evitaria aquele embaraço e até poderia observar com discrição. Mas preferi nada tentar, nem olhar demais, talvez esperando algum sinal. Que nada, absorta em teclar no celular demonstrava nem ter me notado por ali. E eis que vagou um lugar ao lado dela, ah, caramba, brincalhão este destino. Mas ela nem havia me visto, será? Certa dúvida tomou-me instantes, também o orgulho, enquanto teimava em não me mostrar tão entregue quanto me lembrava o íntimo. Mas um movimento suave mudou tudo, transformou meu soslaio em olhar direto, ela cruzara as pernas. Ah, que pernas! O pouco que o deslizar do vestido revelou foi suficiente para destruir meu autocontrole e o meu amor-próprio juntos. Fui depressa sentar a seu lado pronto para falar qualquer coisa, chegar perto, conseguir um toque, mas num movimento conjunto, parecia ensaiado, eu sentei e ela levantou, em louca coreografia. Ela caminhou confiante pelo vagão já parado e saiu, misturando-se ao fluxo que escorria do trem e inundava a estação.

A melodia suave ao fundo eu mal percebia, meu pensar vagava além, distraído das pessoas que povoavam o amplo elevador. Não, ela não fará mais isso, chega, tentava me convencer minha já tão frágil auto-estima. Aliás nem era proposital o que fazia, ela nem lembrava de mim, ruminava minha mente quando o tilintar agudo antecipou o entrar e sair num novo pavimento, não ainda o meu. Ah, eu tenho mais o que fazer e no que pensar, vou parar de me preocupar com isso, era o que me dizia o bom senso, mas quem poderia adestrar meus pensamentos que insistiam neste tema recorrente? Parecia até aquela música que gruda e fica por horas. Horas? Ou dias? Onde ela trabalhava, vivia, nem sabia, nem ao menos seu nome, e não havia como esperar mais deste acaso pouco criativo. Aliás, ótimo assim, sem mais constrangimentos, e se porventura novamente a encontrar eu a ignorarei, será a minha vez de fazer isso, prometi a mim mesmo naquele instante. Talvez fosse minha maneira inconsciente de amenizar a frustração pela incerta possibilidade de tornar a vê-la. Em novo tilintar o elevador chegou ao térreo, meu destino. Desloquei-me entre vários que saíam e dei um passo afora no saguão, tentando emergir do tema que me perseguia. Consultava alguma coisa em minha agenda quando alguém, apressado para entrar no elevador de onde eu saíra, esbarrou forte me desequilibrando. Ora bolas quem é assim tão descuidado, resmunguei alto enquanto me virava disposto a desabafar no tal sujeito um palavrão e... ao olhar o interior do elevador estaquei. Uma única pessoa, aquela que quase me derrubara. Bem havia sentido um aroma familiar. Era ela. Antes que o fechar das portas me rompesse o transe uma última visão, seus olhos nos meus e um sorriso franco, lindo.

Em um segundo já subia as escadas de três em três degraus, não adianta, não resisto, desisto, sou louco por você mulher!