Foto: Waldir C. Marinho |
Coincidência, pela terceira vez a via. Noutro dia havia tentado alguns olhares, e sem qualquer reciprocidade ainda assim insisti na segunda ocasião, naquela lanchonete, quando ela me descartou com elegância. Quis o acaso tê-la novamente em minha frente, no mesmo corredor caminhávamos, direções opostas, em instantes passaríamos um ao lado do outro. Mas não farei nada, não desta vez, jurei. E de fato olhei adiante desde o início, convicto, como se não a tivesse percebido, melhor assim. Minha visão indireta permitia resvalar sua beleza a se aproximar enquanto rumava decidido a não demonstrar interesse, a passar por ela como se não estivesse nem ligando. Mas um segundo antes do quase encontro fui pego, não antecipei, seu perfume... em um átimo me fisgou. Nem queria, ou queria, só sei dizer que quando dei por conta já buscava seu olhar. Seu rosto delicado me escapava, fui virando meu corpo acompanhando o dela, orbitando o astro que passava rápido, como se com receio de perder seu cheiro. Disse-lhe algo, pedi sua atenção. Vitoriosa, ignorou-me, olhou em frente, seguindo seu curso. Um meio sorriso, foi o que vi? Fiquei parado a observá-la se distanciar, entregue à sua dança, até sumir ao longe.
Sentei no metrô à frente dela, mas como? Parece até que a perseguia!
Tivesse sido ela a chegar depois de mim pensaria em alguma artimanha, mas fora
eu, quem sabe algo planejado por ele, este destino que insiste em nos colocar
frente a frente. Como evitar os olhares nem sabia, o rubor então, tomara ela
não tenha visto. Tentei ler alguma coisa, desconcentrado diante do magnetismo
que seduzia meu olhar. Uma senhora se aproximou, levantei e lhe cedi o lugar, melhor assim, de pé evitaria aquele embaraço e até poderia observar com
discrição. Mas preferi nada tentar, nem olhar demais, talvez esperando algum
sinal. Que nada, absorta em teclar no celular demonstrava nem ter me notado por
ali. E eis que vagou um lugar ao lado dela, ah, caramba, brincalhão este
destino. Mas ela nem havia me visto, será? Certa dúvida tomou-me instantes,
também o orgulho, enquanto teimava em não me mostrar tão entregue quanto me
lembrava o íntimo. Mas um movimento suave mudou tudo, transformou meu soslaio
em olhar direto, ela cruzara as pernas. Ah, que pernas! O pouco que o deslizar
do vestido revelou foi suficiente para destruir meu autocontrole e o meu amor-próprio juntos. Fui depressa sentar a seu lado pronto para falar qualquer
coisa, chegar perto, conseguir um toque, mas num movimento conjunto, parecia
ensaiado, eu sentei e ela levantou, em louca coreografia. Ela caminhou
confiante pelo vagão já parado e saiu, misturando-se ao fluxo que escorria do
trem e inundava a estação.
A melodia suave ao fundo eu mal percebia, meu pensar vagava além,
distraído das pessoas que povoavam o amplo elevador. Não, ela não fará mais
isso, chega, tentava me convencer minha já tão frágil auto-estima. Aliás nem
era proposital o que fazia, ela nem lembrava de mim, ruminava minha mente
quando o tilintar agudo antecipou o entrar e sair num novo pavimento, não ainda
o meu. Ah, eu tenho mais o que fazer e no que pensar, vou parar de me preocupar
com isso, era o que me dizia o bom senso, mas quem poderia adestrar meus
pensamentos que insistiam neste tema recorrente? Parecia até aquela música que
gruda e fica por horas. Horas? Ou dias? Onde ela trabalhava, vivia, nem sabia,
nem ao menos seu nome, e não havia como esperar mais deste acaso pouco
criativo. Aliás, ótimo assim, sem mais constrangimentos, e se porventura
novamente a encontrar eu a ignorarei, será a minha vez de fazer isso, prometi a
mim mesmo naquele instante. Talvez fosse minha maneira inconsciente de amenizar
a frustração pela incerta possibilidade de tornar a vê-la. Em novo tilintar o
elevador chegou ao térreo, meu destino. Desloquei-me entre vários que saíam e
dei um passo afora no saguão, tentando emergir do tema que me perseguia.
Consultava alguma coisa em minha agenda quando alguém, apressado para entrar no
elevador de onde eu saíra, esbarrou forte me desequilibrando. Ora bolas quem é
assim tão descuidado, resmunguei alto enquanto me virava disposto a desabafar
no tal sujeito um palavrão e... ao olhar o interior do elevador estaquei. Uma
única pessoa, aquela que quase me derrubara. Bem havia sentido um aroma
familiar. Era ela. Antes que o fechar das portas me rompesse o transe uma
última visão, seus olhos nos meus e um sorriso franco, lindo.