domingo, 23 de novembro de 2014

Na calçada do Hospital das Clínicas


Foto: Waldir C. Marinho

Eu caminhava, devagar, bem cedo, em paz.
Ambiente arborizado, bonito, repleto de pessoas, em grande parte familiares e pacientes do conhecido hospital.
"Ah, porque você não quer namorar com ela?", voz de mulher, sentada num banco debaixo de uma árvore. "Porque sou muito pequeno!", a resposta veio de uma criança, um menino de uns sete anos. Percebi que a sugerida namorada, a menina sobre a qual a mulher se referira brincando, era sua filha, de idade semelhante à do menino. A menininha era especial e observava a cena em sua cadeira de rodas, enquanto o menino brincava, pulava, corria no entorno. Ele era 'normal' segundo os olhos da sociedade. "Só quando eu crescer", o menino acrescentou. Todos sorriram. Fiquei imaginando a luta daquela mãe procurando inserir sua filha num contexto social. Busquei na face da mulher o que escondia seu sorriso, uma nota triste me alçou a alma, imaginei como seria aquela conversa dali a uns dez anos, quando as crianças não forem mais crianças, quando a realidade adulta, com toda sua hipocrisia e crueldade, se impor.
Mais à frente uma outra criança especial, agora um menino, também em uma cadeira de rodas e com sua mãe ao lado. Olhou para mim. Aparente patologia mental lhe trazia um esgar ao rosto. Ao topar com ele, com seu olhar, abri um sorriso. Costumo fazer isso quando vejo pessoas com deficiências ou com doenças graves. Fico imaginando como deve ser difícil, como deve doer no peito, estar na situação destas pessoas que além de suas condições difíceis ainda frequentemente acabam por perceber nos outros olhares de repulsa. Por isso, ao encontrar pessoas assim, tenho este hábito, procuro oferecer de imediato meu sorriso.
Depois vi, em meio a várias pessoas, uma menininha com um fino tubo plástico nas narinas, como aquela menina do livro "A Culpa é das estrelas". Fiquei torcendo que não fosse o mesmo caso, afinal não visualizei o cilindro de oxigênio como aquele que a protagonista do livro carregava pra lá e pra cá. Tomara fosse outro o motivo daquele tubo, pensei. Passei pelo grupo, pela menininha, observando, e aí pude perceber nas mãos da mãe da menina alguma coisa colorida. Era algo envolvido em crochê azul, rosa, amarelo, verde. Pesado. Era o cilindro de oxigênio, multicor, disfarçado na tentativa de humanizá-lo. Talvez fosse o mesmo caso do livro, enfim. Nova nota melancólica vibrou em mim. Ela tinha uns 5 anos.
Caminhar por este lugar me coloca em outra perspectiva.
Em outro prisma de consciência.
Problemas, eu? Que nada.
Quantas pessoas, tantas, precisam de ajuda, de muita ajuda, neste mundo de Deus.
E quem as ajuda? 
A sociedade precisa ter mais compaixão, mais solidariedade, precisa mudar.
O ser humano precisa mudar.
Eu preciso mudar.
Passou por mim um homem caminhando apressado, com uma camisa listrada, falando ao celular. "Então, eu preciso de cinquenta reais", disse ele, enquanto em passadas rápidas seguia adiante. E continuou, "é que minha filha acabou de falecer e está faltando este valor para completar o pagamento do sepultamento".
Desta vez interrompi meus passos.
Observei o homem, em sua camisa listrada, ainda falando ao celular, desaparecer em meio à multidão.
A seguir tive o ímpeto de ir atrás dele, nem sei para fazer o que, para emprestar dinheiro talvez, saí andando apressado. 
Procurei e procurei, chegando próximo a uma esquina movimentada. 
Não mais o encontrei.
Fiquei ali, olhando as pessoas.
Parado.
Calado.
Em profunda reflexão.
Na calçada do Hospital das Clínicas.