domingo, 25 de novembro de 2018

A rosa



Soltaram uma bomba tão grande que, se ela estourasse lá em Monte Alegre, alcançaria a gente aqui na Boa Vista! - Foi o relato contundente e definitivo do menino, diante da incredulidade da audiência. Todos crianças.

Pouca gente, principalmente de fora do estado, se dá conta que no Rio de Janeiro há região rural, roça, gado, estradas de barro, isso tudo. E eu mesmo, da capital, certamente somente pude vivenciar tais coisas por conta de meu pai ter nascido em um local como o que cito, no caso o município de Santo Antônio de Pádua, interior do Rio. Tive a grata satisfação de passar muitos momentos de minha vida, principalmente quando eu era bem pequeno, nesta região, onde meu pai viveu sua infância. Ele sempre teve o hábito de viajar para sua terra natal ao menos uma vez por ano, íamos todos, meu pai e minha mãe, eu e meus irmãos. Muitas alegrias e descobertas naquelas paragens. Será que alguém que ora me lê tem noção do que é ir dormir logo que escurece, sob a luz de um lampião? Lá eu conheci carro de boi e aprendi que ele produz um som inconfundível, quase um lamento. Pude pegar fruta no pé. Conversar junto à fogueira ao anoitecer, ouvindo 'causos' sobrenaturais que só estes dariam um texto à parte; aliás, em meio ao escuro por conta da energia elétrica ainda estar bem longe, lá eu descobri que na completa escuridão, após ouvir aquelas histórias, antes de dormir, fantasmas existem mesmo! Meu pai viveu naquela região até o início da fase adulta e, naturalmente, quando pequeno, seu universo pairava em torno principalmente daquilo que chegava a ele oralmente, através de histórias, da escola - e notem, naquele local eram comuns escolas montadas nas próprias residências, com professoras voluntárias - e os poucos livros que apareciam. Internet? Televisão? Imaginem, se nem energia elétrica havia. O muito que meu pai já me contou desta sua fase se mistura ao meu imaginário e às lembranças de meus próprios momentos vividos naquele local, e isto em mim é algo muito prazeiroso de se ter e sentir.

Boa Vista é um lugarejo próximo à sede do distrito de Monte Alegre, cerca de 2 km de ruas de barro separam um local do outro. Esta foi a referência de distância utilizada para exemplificar o "poder" da tal bomba que havia sido explodida bem longe dali, conforme relato ouvido pelo meu pai quando era bem pequeno, relato este que citei no início do texto e que certamente foi contado a ele na ocasião por alguma outra criança, um menino mais velho que ele, talvez. 

Quando a tal bomba estourou, essa que, segundo a visão da criança, se fosse explodida em Monte Alegre alcançaria a eles ali, na Boa Vista, a dois quilômetros de distância; quando isso ocorreu meu pai tinha 10 anos de idade. 

Era o ano de 1945 e o nosso mundo passava por dias bem turbulentos e tristes.