domingo, 23 de dezembro de 2012

Reforma


Foto: Tatiana Girotto


naquele bairro triste e sombrio
somem estrelas, cresce o vazio
não há consolo, faltam canções
angústia gélida nos corações

naquela rua tão fria e escura
turvam olhares em amargura
mas já percebe-se aflorar
tênue desejo de melhorar

naquela casa vê-se a mudança
suave brisa de esperança
soam palavras mais caridosas
sorrisos tímidos, já brotam rosas

naquela alma antes em dor
agora há calma, vibra o amor
reforma íntima transborda em luz
renasce em vida, venceu Jesus






sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Amarras


e eis que chega o momento
liberte-se desta prisão
externe o que tens por dentro
desamarre o coração



*Inspirado no poema ´Indiferença´ do poeta baiano A J Cardiais http://ajcardiais.blogspot.com.br/2012/07/indiferenca.html



quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Brainstorm


Foto: Mario Marinho

Está com saudade? Vá encontrar. Se estiver longe, vá assim mesmo. Se não puder encontrar de jeito algum, telefone, envie torpedo, converse no msn, e-mail, use o Orkut, o Facebook. Não fique nutrindo a falta, um pouco de saudade põe tempero na vida, ok, mas saudade crônica faz adoecer. Vá atrás! Está com vergonha de procurar esta pessoa? Ah, por favor, deixe de ser criança. Esta pessoa parece não se importar com você, por isso não quer procurá-la? Vá atrás assim mesmo, talvez não seja bem o que você pensa, pode ser que somente ela esteja também receosa de lhe procurar. Resolva! Se não dá para encontrar ou contactar de forma alguma, então pense nela, lembre dela com carinho. Ah, mas esta pessoa não está mais entre nós? Nossa, aí você me pegou. Difícil... Bem, ainda assim pense nela, lembre desta pessoa em seus melhores momentos, ela estará assim mais próxima, em seu peito. Valorize a importantíssima passagem desta pessoa em sua vida lembrando dela em instantes de alegria, de companheirismo, de amizade, de amor. E imagine que há uma chance de ser verdade o que muitos acreditam, que depois desta vida nós continuamos. Acredite que esta pessoa de alguma forma continua, e que você, no tempo certo, a encontrará novamente. Tente acreditar nisso também, eu acredito. Está triste? Dá para melhorar. Dá sim, sei disso, já aconteceu muito comigo, com todos, nesses momentos por vezes basta pensar em outras coisas, em coisas melhores que essas que agora povoam seus pensamentos. Com certeza há algo em sua vida pelo qual vale a pena sorrir. Mude os pensamentos, valorize o que tem de melhor em sua vida. Tem cometido erros? Ah, vou te confessar, mas não conte pra ninguém... eu também. Rs. Você é um ser humano, erros acontecem, e tenho certeza que também lhe tem ocorrido acertos, não é mesmo? Daqui por diante, tente errar menos. Combinado? Externe aquilo que sente. Se não consegue falar, escreva, ou nem escreva nada, vai lá e abraça. Ou xinga! Rs. Só não guarde o que sente apenas para você. Você ama? Diga “eu te amo”. Ah, mas o sentimento não é bem esse? Rs, externe também, com bom senso, claro, mas resolva a situação! Está com dificuldades com alguém, deixa de frescura, para de ficar lendo este blog aí sozinho e vai procurar a pessoa para resolver! Vai dizer que ama, que não ama, chega de ficar parado, pensando, ruminando, estudando o que poderia ter sido, vai lá e vive!



P.S: Escrevi este texto há mais de um ano atrás, realmente como num brainstorm fui colocando no 'papel' de uma vez aquilo que me vinha na cabeça, uma idéia puxando a outra. No entanto, percebi depois, esta expressão "põe tempero na vida" veio de algo que eu li de uma amiga no antigo Orkut. Na ocasião ela se referia a seus amigos, no meu caso me referi à saudade. Esta amiga é a Ana Paula Rodrigues, que estudou comigo no GPI Madureira ( Rio ), eu não podia deixar de dar o devido crédito. A frase da Ana Paula ficou em mim e acabou saindo naturalmente no texto. Ao perceber isso quase a tirei da versão final, mas se fizesse isso o título perderia um pouco o sentido, então preferi deixar e citar de onde ela veio. Nem sei se a expressão foi de fato criada pela Ana, mas fica aí a minha fonte. Abraços!




sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Goiabeira

Foto: Waldir C. Marinho


Eu subia na goiabeira muito rápido, conhecia os galhos certos onde me apoiar, em quais pôr os pés, as mãos, e logo chegava lá em cima, em segundos ia do chão ao céu. A árvore ficava no quintal dos fundos da casa de meus pais, onde vivi minha infância. Bem no alto havia um galho em curva, que funcionava certinho como uma espécie de cadeira, e eu, ainda bem pequenino, adorava ficar lá em cima ouvindo os sons, sentindo os cheiros, sensações, sentimentos, daquele meu mundo infantil, há mais de 30 anos atrás. Aquele local lá no alto da goiabeira era o meu cantinho particular. Eu adorava as goiabas "de vez", nem verdes nem maduras, hum, que delícia. A goiabeira era de goiaba vermelha, a mais suculenta e saborosa, eu comia lá em cima mesmo, sozinho, pensando na vida. Dos galhos da goiabeira eu conseguia alcançar o teto da garagem, e também o telhado da casa de minha avó. A árvore ficava entre a garagem e a casa, e os galhos mais altos ultrapassavam e cresciam por sobre as duas construções. Minha vó Maria morava há anos nesta sua casinha, atrás da casa de meus pais. Eu subia na goiabeira, pulava no teto da garagem, voltava para árvore novamente, de lá ia para o telhado da casa de minha avó, ia e voltava diversas vezes, adorava fazer isso. Do telhado da casa eu conseguia até subir em outra árvore, uma mangueira que ficava do outro lado, mas eu preferia a goiabeira, pois os galhos eram mais confiáveis, e lá eu tinha o meu lugar especial onde ficar. E também eu gostava mais de goiaba do que de manga, aliás até hoje eu prefiro as goiabas. Eu ficava lá em cima, no meu cantinho, em meio a meus pensamentos, preocupações e alegrias de criança. Minha avó, muito religiosa, costumava sentar no degrau da porta de entrada da casa dela para cantar as músicas favoritas da sua igreja. Eu e meus irmãos tivemos em nossa infância esta espécie de “trilha sonora”, minha vó e os cânticos de sua igreja, ela gostava muito de cantar e ficava lá na porta de sua casinha cantando por muito tempo, quase todos os dias. Por vezes ela me via lá em cima, no alto da goiabeira, e dizia: meu filho, desce daí, toma cuidado! Bons tempos aqueles.
Meus pais ainda moram no mesmo local, mas a goiabeira não está mais lá, há anos secou, morreu, e o tronco foi arrancado. A casinha da minha avó continua lá, hoje vazia.

Lembro disso tudo agora e é difícil descrever a sensação que me toma conta. Queria tudo de volta. Queria subir de novo naquela goiabeira apoiada na casinha da minha avó, agora mesmo, ficar um tempo naquele lugar que só eu conhecia e comer uma goiaba nem verde nem madura, “de vez”. Queria ouvir minha avó novamente cantando as músicas da igreja, sentada junto à porta da casinha dela. Nem que fosse por uns poucos minutos, queria muito ouvir minha vó Maria cantar novamente. A vida passa e a gente não se dá conta da importância destes momentos quando os vivemos, apenas depois, anos depois. Queria poder voltar no tempo.

Ah, acabei de me dar conta, voltei agora mesmo. Voltei no tempo ao escrever estas linhas, em meio a lágrimas, através desta inexplicável magia, a magia da saudade.




segunda-feira, 23 de julho de 2012

Procura

Foto: Waldir C. Marinho
sensível, aguarda por anos 
perscruta em cada momento 
na espera de ver noutro rosto 
resposta a tanto sentimento 

por tempos buscando à distância 
vislumbre do pleno instante 
sua vida restrita a tal ânsia 
parada sem seguir adiante 

aposta em reciprocidade 
tão vã utopia que almeja 
em já adiantada idade 
deixou de buscar em si mesma




quarta-feira, 13 de junho de 2012

No outro lado da rua


Foto: Waldir C. Marinho


Numa esquina em Perdizes, bairro nobre de São Paulo. O pão na chapa do jeito que eu gosto, "sem apertar", apenas com a manteiga derretida. O café expresso com leite em xícara média, nem forte nem fraco, no ponto, na temperatura certa, com adoçante em pó. Hum, delícia. Tomo meu café fora de hora, mas tudo bem, num domingo isso até é comum. A padaria repleta, algumas pessoas já almoçam, um entra e sai de gente, na parte externa há uma fila para comprar frango assado. Saboreio meu café enquanto leio o livro da vez, ótima leitura, e ouço algumas de minhas músicas preferidas com o fone conectado ao celular. Levanto os olhos do livro e observo as pessoas, o ambiente, limpo, organizado, harmonioso. Volto ao livro até terminar meu café, confortável, absorto. Junto ao caixa cedo a vez à uma senhora que leva um poodle no colo, e recebo um sorriso de agradecimento. Pago a despesa com uma nota de cinquenta, estou sem trocado. Saio da padaria na rua arborizada, agradável. Carros passam adiante, pessoas transitam pelas calçadas. Brisa fresca de final de manhã, domingo de sol, tranquilidade, paz. Um dia especial, feliz.

Agora as vejo, um grupo de crianças, maltrapilhas, na calçada oposta à padaria, alguns metros mais a frente. Duas meninas e um menino sentados junto à guia da calçada. Parecem ser irmãos. A menina mais velha, de no máximo uns doze anos, tem um recipiente plástico estilo tupperware nas mãos. Em dado momento ela abre o recipiente, que está cheio do que me parecem ser restos de comida, algum tipo de massa talvez. Percebo então o propósito de estarem ali, sentaram naquele local para almoçar. A menina retira a tampa do recipiente plástico, e então começa a usar a própria tampa do pote com se fosse um talher. Vai recolhendo porções da comida do pote com um dos cantos da tampa e serve às outras crianças, que abocanham a comida servida naquele talher improvisado. E assim a menina mais velha vai fazendo, pega uma porção e estica o braço para servir à uma menininha menorzinha, de uns oito anos, depois faz o mesmo com o menininho de uns dez anos, e em algumas vezes ela serve a si mesma. E faz isso até que acaba a comida do pote.

Eu olho a cena um tanto paralisado. Vejo um carro bonito estacionado em frente, um Mitsubishi. Diversos condomínios de luxo à volta. Na padaria pessoas continuam a saborear seus almoços, e o cheiro de frango assado é fortíssimo, vindo da assadeira localizada na entrada do estabelecimento. E neste mesmo contexto, a metros de distância, aquelas crianças, sentadas na guia da calçada, como se fosse algo normal, comum, aceitável. Não, isso não é algo aceitável. Fico imaginando como deve ser difícil para aquelas crianças comer restos de comida sentindo aquele cheiro forte de frango assado no ar. Fico imaginando como deve ser difícil para elas compreenderem e aceitarem a situação em que estão.

Tenho um ímpeto de comprar um daqueles frangos assados e levar para as crianças mas, não sei bem por qual motivo, protelo, espero mais um pouco. E mais um pouco. A vontade de ajudar não é maior que meu comodismo, minha inação, minha paralisia. Meu egoísmo.

Antes de eu fazer qualquer coisa as crianças levantam e vão embora.

E eu fico em meio a meus pensamentos, me perguntando até quando. Até quando vamos ter tamanha falta de vergonha na cara e continuar a desfrutar impunemente de nossos carros de luxo, de nossos cafés, almoços, jantares, festas, roupas caras, de nossos condomínios, de nossos iphones, ipads, de nossas quinquilharias inúteis, efêmeras e fúteis, enquanto há crianças sentadas na beira da calçada, usando tampas de plástico como talheres, se alimentando de restos de comida, logo ali, a poucos metros, no outro lado da rua.




P.S. Não se trata de ficção, e ninguém me contou isso, eu mesmo vi. Cheguei a tirar uma foto com meu celular, esta que ilustra o texto.








segunda-feira, 14 de maio de 2012

Descobertas


Foto: Waldir C. Marinho


Os acontecimentos que aqui descrevo me retornam à memória de forma distante, uns 30 anos se passaram, nem lembro das pessoas, mas dos fatos, sensações, sentimentos. Tomei liberdade em preencher algumas lacunas portanto, mas que não reduzem a importância da essência aqui exposta.

A molecada veloz, nem sabia bem pra onde iam, só sei dizer que eu não iria perder de jeito algum fosse o que fosse, pensei enquanto já voava na mesma direção. "Pegaram um ladrão", diziam, "lá na esquina", apontavam, corriam, vibravam.
Ao chegar pude ver que, além das pessoas que começavam a aglomerar, havia um policial com uma criança a seus pés. Um menino de pele alva, cabelos lisos, e suas pálpebras cerradas apenas me permitiam supor seus olhos tristonhos. Cabisbaixa, quieta, de uns aparentes nove anos, aquela criança era o tal ladrão.
Percebi que havia um outro policial numa casa próxima procurando alguma coisa, depois soube que buscava outro ladrão que talvez estivesse escondido por ali. Logo localizou o outro bandido, mais uma criança. Este segundo menino, um ou dois anos mais velho que o primeiro, era negro.
A história em torno do tal crime que eles haviam supostamente cometido foi contada por alguns populares, roubaram ou tentaram roubar uma senhora num ônibus, fugiam correndo pela rua ao ser interceptados pelos dois policiais. Depois pude notar no chão, próximo a um dos policiais, a arma do crime. Algo que tentava imitar um pequenino revólver, falso, parecia feito de algum tipo de resina de cor escura.
Passados alguns momentos, bem ali na frente de todos, os policiais começaram a bater nos ladrões. Nas crianças. De forma intensa, como se estivessem lidando com adultos. Não havia um motivo claro para bater, não procuravam obter alguma informação, como por vezes vemos nos filmes, apenas batiam. Pareciam estar aguardando alguém chegar e, enquanto aguardavam, batiam.
Naqueles instantes eu notei um fato perturbador, quase que só o menino negro apanhava. Não que o menino branco não tenha levado algum safanão, levou sim. Mas nos minutos que ali fiquei creio que só uma vez o menino branco levou uns tapas. O menino negro apanhou o tempo todo.
A já grande aglomeração de curiosos no entorno vibrava.
Uns dez minutos nesta situação e chegou enfim o reforço, um carro da polícia. Os policiais que pegaram os meninos estavam a pé, deviam estar aguardando por este carro para levar os ladrões para alguma delegacia, algo assim. Alguns policiais saíram do carro.
Foi nesta hora que aconteceu o fato que mais me marcou.
Um dos policiais que acabara de chegar chamava a atenção por ser muito alto, grande, o cara era enorme. E ele era negro. Parecia um daqueles jogadores americanos de basquete. Muito bem, ao sair do carro este policial grandão, negro, se aproximou do grupo e, sem dizer uma palavra, se dirigiu a um dos meninos e, abrindo os braços, fechou-os aplicando um golpe com as duas mãos abertas nos dois lados da cabeça, nos ouvidos do menino escolhido. O golpe foi com tanta força que fez um barulho muito alto, fazendo a criança gritar e desabar no chão de dor. Ao ver o menino caído no chão o tal policial negro enorme começou a chutá-lo, sem dó e sem medidas, chutou e chutou o menino, que gritava e tentava se proteger da forma que podia com as mãos. O policial continuou batendo no menino por alguns minutos. Creio que só parou por estar já meio cansado. E o menino que o policial escolhera 'ao acaso' para bater havia sido o menino negro. De fato o policial grandão nem tocou no outro menino, o branco.
E a torcida no entorno, cada vez maior, continuava a vibrar, como que acreditando que algum tipo de justiça estava sendo feita.
Creio que tudo terminou com os policiais colocando os meninos no carro e indo embora. Aquela situação me incomodou muito, nem sei bem porque fiquei aquele tempo todo vendo aquilo. Mas foi um aprendizado. Naquele dia eu, com talvez uns 10 anos de idade, nem lembro bem, cheguei a algumas conclusões.
O racismo estava presente em nossa sociedade, nu, exposto, sem qualquer pudor ou censura. E o racismo não tinha cor. E naquela cena a atitude racista me pareceu ter sido praticada até de forma um tanto, se assim posso dizer, inconsciente, pelos agressores. Não escolheram conscientemente o menino negro para bater, simplesmente assim ocorreu, o que é algo ainda mais inquietante.
A chamada 'justiça' pode adquirir características estranhas. Ali não era motivada pela justiça que a população vibrava a cada pancada que os policiais davam nos meninos. E os policiais não batiam em busca da justiça. Os policiais batiam apenas porque eram superiores, em força física, e pelas circunstâncias, afinal eles eram a polícia e os meninos os bandidos. O real motivo talvez fosse apenas esse, batiam porque eram mais fortes, se sentiam superiores, e assim aproveitavam aquela situação para descarregar nos meninos suas próprias mágoas, frustrações, dissabores. E a população vibrava pelo mesmo motivo.
A violência, naqueles momentos, foi algo que iniciou e cresceu, alcançando a muitos. Começou no assalto, continuou através da polícia, repercutiu na população. É preciso tomar cuidado, ser vigilante para não se deixar influenciar por este tipo de coisa. A violência, ou o ódio, pode ser algo contagioso, naquela ocasião foi o que me pareceu ter ocorrido.
Aquelas cenas contribuíram para formar em mim uma completa aversão à violência. Ficou muito claro para mim naqueles momentos que a violência é um erro. Os ladrões, os meninos, agiram errado, foram covardes, sim, com a senhora no ônibus, mas a seguir foram tratados também com covardia, a meu ver muito maior, pelos policiais.
No momento em que alguém aproveita uma situação de superioridade, qualquer suposta superioridade, para agir com violência contra outra pessoa numa situação inferior, mesmo que o agredido tenha cometido algum erro, por mais grave que seja este erro, independente dos motivos, neste momento esta pessoa que pratica a violência está errada.
Independente de quem agride ou de quem é agredido, independente de supostos crimes praticados por uma ou outra parte, a violência é um completo, absurdo, absoluto, equívoco.



sábado, 21 de abril de 2012

Onda


Foto: Waldir C. Marinho

onda que vai, recua, sai 
afasta, esfria, em calmaria 
mas logo torna, renasce, amorna 
não se detém, aquece, vem 
deságua, eclode, à margem explode 
a me lançar, muito além-mar




(Inspirado no poema Mares Lejanos de Silvia Pinheiro



quarta-feira, 4 de abril de 2012

Meu lugar


Foto: Waldir C. Marinho

Solitário, ocupo uma cadeira no fundo do amplo salão.
O local onde estou está escuro, sombrio.
Aguardo.
Tenho uma sensação de que alguém me observa.
Levanto o olhar, cauteloso, para a parede oposta, distante, lá na frente.
Lá eu vejo uma luminosidade celestial, contrastando com o outro extremo, aqui onde me encontro.
Na parede iluminada um quadro com uma linda imagem.
Jesus.
Ele parece me observar.
Um olhar de compreensão.
Parece esperar, de mim, alguma coisa.
Que eu tome alguma atitude.
Que eu me aproxime mais.
Com paciência, me aguarda.
Agora percebo, há algumas pessoas, não muitas, sentadas, próximas da outra parede, próximas da imagem de Jesus.
Distantes de onde estou.
Sinto um certo incômodo, por vê-las em meio à luz, enquanto eu estou na escuridão.
Parece-me uma grande distância, um longo caminho até lá.
Abaixo a cabeça, fecho os olhos, sem saber como proceder.
Até tenho uma certa idéia de como agir, acredito, não muito clara.
Mas, cabisbaixo, permaneço imóvel.
De repente me surge um pensamento: "Tente dar o primeiro passo".
Levanto a cabeça novamente, vejo a luminosidade lá na frente, que chega a ofuscar.
Observo a linda imagem de Jesus.
Ele parece quase me sorrir.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Não sei bem quando será o meu momento.
Mas tenho uma certeza.
Lá é o meu lugar.





quinta-feira, 8 de março de 2012

Você mulher


Foto: Waldir C. Marinho

Coincidência, pela terceira vez a via.  Noutro dia havia tentado alguns olhares, e sem qualquer reciprocidade ainda assim insisti na segunda ocasião, naquela lanchonete, quando ela me descartou com elegância. Quis o acaso tê-la novamente em minha frente, no mesmo corredor caminhávamos, direções opostas, em instantes passaríamos um ao lado do outro. Mas não farei nada, não desta vez, jurei. E de fato olhei adiante desde o início, convicto, como se não a tivesse percebido, melhor assim. Minha visão indireta permitia resvalar sua beleza a se aproximar enquanto rumava decidido a não demonstrar interesse, a passar por ela como se não estivesse nem ligando. Mas um segundo antes do quase encontro fui pego, não antecipei, seu perfume... em um átimo me fisgou. Nem queria, ou queria, só sei dizer que quando dei por conta já buscava seu olhar. Seu rosto delicado me escapava, fui virando meu corpo acompanhando o dela, orbitando o astro que passava rápido, como se com receio de perder seu cheiro. Disse-lhe algo, pedi sua atenção. Vitoriosa, ignorou-me, olhou em frente, seguindo seu curso. Um meio sorriso, foi o que vi? Fiquei parado a observá-la se distanciar, entregue à sua dança, até sumir ao longe.

Sentei no metrô à frente dela, mas como? Parece até que a perseguia! Tivesse sido ela a chegar depois de mim pensaria em alguma artimanha, mas fora eu, quem sabe algo planejado por ele, este destino que insiste em nos colocar frente a frente. Como evitar os olhares nem sabia, o rubor então, tomara ela não tenha visto. Tentei ler alguma coisa, desconcentrado diante do magnetismo que seduzia meu olhar. Uma senhora se aproximou, levantei e lhe cedi o lugar, melhor assim, de pé evitaria aquele embaraço e até poderia observar com discrição. Mas preferi nada tentar, nem olhar demais, talvez esperando algum sinal. Que nada, absorta em teclar no celular demonstrava nem ter me notado por ali. E eis que vagou um lugar ao lado dela, ah, caramba, brincalhão este destino. Mas ela nem havia me visto, será? Certa dúvida tomou-me instantes, também o orgulho, enquanto teimava em não me mostrar tão entregue quanto me lembrava o íntimo. Mas um movimento suave mudou tudo, transformou meu soslaio em olhar direto, ela cruzara as pernas. Ah, que pernas! O pouco que o deslizar do vestido revelou foi suficiente para destruir meu autocontrole e o meu amor-próprio juntos. Fui depressa sentar a seu lado pronto para falar qualquer coisa, chegar perto, conseguir um toque, mas num movimento conjunto, parecia ensaiado, eu sentei e ela levantou, em louca coreografia. Ela caminhou confiante pelo vagão já parado e saiu, misturando-se ao fluxo que escorria do trem e inundava a estação.

A melodia suave ao fundo eu mal percebia, meu pensar vagava além, distraído das pessoas que povoavam o amplo elevador. Não, ela não fará mais isso, chega, tentava me convencer minha já tão frágil auto-estima. Aliás nem era proposital o que fazia, ela nem lembrava de mim, ruminava minha mente quando o tilintar agudo antecipou o entrar e sair num novo pavimento, não ainda o meu. Ah, eu tenho mais o que fazer e no que pensar, vou parar de me preocupar com isso, era o que me dizia o bom senso, mas quem poderia adestrar meus pensamentos que insistiam neste tema recorrente? Parecia até aquela música que gruda e fica por horas. Horas? Ou dias? Onde ela trabalhava, vivia, nem sabia, nem ao menos seu nome, e não havia como esperar mais deste acaso pouco criativo. Aliás, ótimo assim, sem mais constrangimentos, e se porventura novamente a encontrar eu a ignorarei, será a minha vez de fazer isso, prometi a mim mesmo naquele instante. Talvez fosse minha maneira inconsciente de amenizar a frustração pela incerta possibilidade de tornar a vê-la. Em novo tilintar o elevador chegou ao térreo, meu destino. Desloquei-me entre vários que saíam e dei um passo afora no saguão, tentando emergir do tema que me perseguia. Consultava alguma coisa em minha agenda quando alguém, apressado para entrar no elevador de onde eu saíra, esbarrou forte me desequilibrando. Ora bolas quem é assim tão descuidado, resmunguei alto enquanto me virava disposto a desabafar no tal sujeito um palavrão e... ao olhar o interior do elevador estaquei. Uma única pessoa, aquela que quase me derrubara. Bem havia sentido um aroma familiar. Era ela. Antes que o fechar das portas me rompesse o transe uma última visão, seus olhos nos meus e um sorriso franco, lindo.

Em um segundo já subia as escadas de três em três degraus, não adianta, não resisto, desisto, sou louco por você mulher!



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Rubber Soul ou Revolver?


Foto: Waldir C. Marinho

O disco começa com a maravilhosa Drive My Car. Um contrabaixo sensacional, Paul estava inspiradíssimo nesta gravação, queria poder tocar esta música um dia. Rubber Soul é um dos meus favoritos, talvez seja o CD dos Beatles que mais gosto. Preciso ouvir todos novamente e decidir, programão para o fim de semana, rs. Depois vem Norwegian Wood, nossa, linda, linda. You won't see me, os vocais de Norwhere Man, mais beleza. Essa seqüência inicial de Rubber Soul é demais. São tantas canções lindas, parece um disco de sucessos. Por falar em sucessos, Michelle e Girl também estão neste CD, preciso falar mais? Começou agora a tocar What goes on, adoro o Ringo cantando country, muito legal. I'm looking through you, mais esta. Nem estava lembrando, In my life está neste disco, sem comentários. Só aquele piano lá no meio da canção é de chorar, vale o disco. Quem será que tocou aquele piano? Coisa mais linda. Wait, If I need someone, e agora Run for your life, o que dizer? Fico tentando decidir qual o melhor, Rubber Soul ou Revolver, estes dois os discos dos Beatles que mais tenho curtido ultimamente, acho que são os que mais gosto. Qual será o melhor? Difícil imaginar um disco em que Lennon esteja tão bem quanto em Rubber Soul, isso por si só já é grande motivo para votar neste. Se bem que em Revolver tem And your bird can sing, caramba, esta canção me emociona. Deu saudades de John. Há uns 30 anos atrás tentaram calar a voz do nosso querido passarinho, mas ele continua, firme, nos inundando de beleza, até hoje. Ah, agora deu vontade de ouvir And your bird can sing, resolvi colocar Revolver pra tocar. Que lindo, que lindo, esta música me provoca uma sensação difícil de explicar. E há tantas outras. Revolver começa com Taxman e Eleanor Rigby, esta última uma das músicas mais bonitas que já ouvi. Tem mais Ringo cantando em Yellow Submarine, tem mais John em Doctor Robert, tem mais Paul na belíssima For no one, e muito mais. De repente começou Here, there and everywhere e, nossa, tocou fundo. Lembrei que esta é a canção dos Beatles que meu pai mais gosta e... comecei a chorar. Não consegui segurar. O que a música é capaz de fazer com a gente é algo meio inexplicável. Rubber Soul ou Revolver? Creio que ainda prefiro Rubber Soul, mas Revolver acabou de me levar às lágrimas. Acho que deu empate, ao menos hoje empatou. Eu não estava planejando escrever mais nada neste mês, mas sei lá, deu vontade. Deu vontade de compartilhar com vocês o que se passou em meu íntimo voltando do trabalho pra casa, no trânsito de Sampa, ouvindo Beatles, nesta chuvosa sexta-feira de Carnaval.



segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Oportunidades



Chegou, enfim, sua vez. Após muito tempo, intermináveis meses numa fila aguardando um transplante de fígado, ele conseguiu alcançar o primeiro lugar da fila e apareceu um doador compatível.
Só quem já teve contato direto com esta realidade pode ter noção da crueldade que é uma fila de transplante. Sofrimento, expectativa, ansiedade, esperança, desespero, amargura, dor, desânimo, fé, todas estas coisas. Meses e meses nesta situação.
Esta é a realidade de um amigo meu.
Mas enfim chegou o momento dele. Sua oportunidade, de cura, de reconstrução, depois de tamanho sofrimento. Pai de família, homem de caráter, pessoa do bem. Conheço poucos tão merecedores como ele, de se curar, de ter uma nova vida.
Preparativos, hospital, internação, pré-operatório, orações, muita esperança. Delicada, e extensa, a cirurgia necessária. Tudo pronto, tudo preparado.
Deus o abençoe.
Mas não ocorreu. A cirurgia, não ocorreu.
Depois de tudo pronto bastava uma palavra, uma afirmativa, bastava um sim. Só faltava que a família da pessoa falecida, que seria a doadora do órgão, concordasse com a doação. Mas não concordou. Aquelas pessoas disseram não.
Não foi um mal entendido, não foi falta de informação, simplesmente a família negou a doação. Faltou um sim. Faltou este detalhe. Faltou amor.
O que pode gerar tamanho egoísmo é algo que foge à minha compreensão. A oportunidade foi negada ao meu amigo, e ele agora voltou à fila de transplante. Isso ocorreu há poucos dias, na última sexta-feira.
Difícil aceitar algo assim, mesmo considerando o momento de grande tristeza pelo qual passa aquela família que acabou de perder um ente querido. Eles tiveram a chance de, diante de tanta tristeza, fazer com que aquele fato fosse também motivador de incrível alegria. A oportunidade de transformar aquela perda num renascer.
Fico imaginando, após este sentimento que me toma conta, certa revolta diante desta atitude dessas pessoas, será que eu tenho o direito de censurar alguém? Não serei eu egoísta também? Creio que todos nós temos que nos reavaliar a cada instante. Acho que todos os dias, de diferentes maneiras, em diferentes situações, temos as nossas oportunidades, de ajudar, de dizer sim. Estaremos aproveitando estas oportunidades? Estaremos dizendo sim?
Pensando nisso começo a ver o caso de meu amigo de forma diferente. Não foi ele que perdeu a oportunidade, até porque, creio em Deus, logo outro doador aparecerá. Não, não foi ele que perdeu. Na verdade ele ofereceu, a oportunidade, para aquelas pessoas. Meu amigo ofertou para a família do possível doador a grande oportunidade de fazer um enorme bem, ajudando de forma definitiva uma outra pessoa, uma outra família. Mas aquelas pessoas recusaram esta oportunidade.
Quanto a mim, tomei uma decisão. Não tenho qualquer informação mais detalhada a respeito do processo de doação de órgãos, é meio vergonhoso ter que admitir isso. Mas estou convicto, a partir de agora serei um doador de órgãos. Acho que é preciso fazer algum tipo de cadastro, fazer uma observação na carteira de identidade, algo assim, para que a pessoa se torne doadora sem depender da decisão de ninguém. Quem souber agradeço por me informar. O que quer que precise ser feito eu farei, podem me cobrar.





quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

É possível

Foto: Waldir C. Marinho

Entrei no corredor e a encontrei. Expressão triste, ela chorava, lágrimas escorriam pelo seu rosto. Procurei no entorno rapidamente, ninguém por perto, somente tínhamos um ao outro. Certamente minha presença a deixou ainda mais inquieta, talvez com medo. O que fazer? O medo também foi meu, reconheço, não fazia idéia de como proceder. A menina continuava a chorar. Mas onde estaria a mãe daquela menina? Ela chorava e me olhava, em sua cadeira de rodas. Eu acabara de entrar naquele corredor, buscando chegar na loja de souvenirs da AACD do Ibirapuera, e me vi nesta situação, com aquela menina, especial, na minha frente, sozinha, chorando sem parar. Ela tinha algum tipo de deficiência mental, e eu nem imaginava a forma adequada de agir. A menina especial e eu, um em frente ao outro, mais ninguém para socorrê-la, para me socorrer, naquele corredor da AACD. Parecíamos os únicos no mundo, ela e eu, quem sabe um teste, vai lá cara, faz alguma coisa! Essa indecisão, essas considerações, duraram mínimo instante. Comecei a falar algumas palavras para ela, meio sem jeito, procurando confortá-la. Tá chorando porque, linda? Você é tão linda, não chora não. Continuei assim, aos poucos ela foi reduzindo o choro. Nossa, estava funcionando! Continuei a falar, e ela logo parou de chorar. Em dado momento começou a esboçar um sorriso, foi quando se aproximou uma mulher, a mãe da menina. Coitada, devia ter ido ao banheiro, quem sabe, imaginem a luta diária dela. A mulher saiu de perto de mim levando a menina, e eu fiquei, pensando, meu Deus é possível. É possível. Podemos fazer algo, que conforta, que ajuda. Há tantos que precisam. Emociono-me ao escrever isso. Não precisamos nem gastar nada, nem usar muito de nosso tempo. Um gesto é suficiente, bastaram algumas palavras. Obrigado Senhor, é possível, basta querer!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Vinte e três




vinte e três, ou menos, ou mais
as alimento, me alimentam, em vida, encanto, cor, plurais
por um momento vejo tão belo matiz, fugaz
pois logo muda, acrescem sons, prazer, verniz, bem mais

furtam-me a dor
suas presenças nutrem minha vida, cais, calor
refazem, criam, quase até saciam, mais sabor
unem, combinam, crescem dentro em mim, em paz, amor

luz, alegria
a cada uma que se junta, agrega, reconstrói, amplia
com elas crio, reinvento, cresço, brinco, em sinergia
mostram-se em coro, uma só voz, delas e minha, especial magia

nelas habito
exteriorizo, redescubro o que sou, exponho, vibro, grito
traduzo, pinto, canto, interpreto, vivo, ressuscito
tornam-me novo, aliviado, realizado, pleno, infinito