domingo, 20 de dezembro de 2015

Um anjo


Eu caminhava em direção à padaria, domingo bem cedo, absorto, distraído. Próximo à entrada, na calçada, vi um rapaz dormindo. Daqueles moradores de rua que ficam pelas esquinas, que dormem por aí, debaixo das marquises, ao tempo, ao frio. Tive pena dele. Decidi comprar alguma coisa para o rapaz, café, pão, e trazer para ele comer naquela manhã, coitado. Fui na padaria, comprei o que precisava comprar, e ao começar a caminhada de volta, na mesma calçada, vi novamente o rapaz, ainda dormindo. Só neste momento lembrei do compromisso interno, que assumi e não cumpri, pois quando fui na padaria não comprei nada para ele. Envergonhei-me por meu esquecimento egoísta. Mas ao chegar mais perto do rapaz vi que, em cima da sua coberta, havia um embrulho, algo que não estava quando passei por ali minutos atrás. O pacote continha um sanduíche e um copo de suco, fresquinhos, em uma bandejinha de isopor, envoltos em plástico transparente, cuidadosamente preparados e embalados. Quando ele acordasse já teria seu café da manhã. Olhei para um lado, olhei para o outro, não vi mais ninguém. Silenciosa quietude preenchia o ambiente. Árvores à brisa da manhã, trinados de passarinhos ao longe, sons do céu. Abri um sorriso. Que bom que, antes de mim, alguém lembrou do rapaz. Que bom que, antes de mim, por ali passou um anjo.




sábado, 31 de outubro de 2015

Desperdício


Foto: Waldir C. Marinho

Do táxi que me levava ao aeroporto após dias de trabalho em outro estado, ansioso pela volta para casa, sexta-feira, final da tarde, enquanto aguardava o semáforo esverdear, olhei para o lado e as vi.

Duas mulheres sentadas à mesa de um bar em uma das esquinas do centro do Rio, acompanhadas de suas respectivas garrafas de cerveja.

Bebiam e riam.

Desperdício.

Há ocasiões em que o mundo, sei lá, me parece às avessas. Eu não bebo álcool e vivo um estranho fato em minha vida. Sofro uma espécie de, digamos, preconceito - será isso? - por não beber. Algumas pessoas me olham como se eu fosse um tipo de cara esquisito que não bebe álcool.

Perguntam: "Como assim você não bebe?"
Eu respondo: Não bebo, só isso.
(Mais uma vez este assunto...)

"Você é evangélico?"
Não, não sou evangélico.
(Seria uma honra ser evangélico, mas não sou)

"Mas então porque não bebe?"
Não bebo por uma convicção pessoal, não tem nada a ver com religião.
(É mais uma questão de bom senso e caráter)

"Ah mas beber é tão bom, bebe um pouquinho"
(Algumas pessoas já até tentaram me empurrar um gole goela abaixo, acreditem)

A quem será que eu poderia processar por este tipo de bullying? Querem me fazer pensar que eu sou errado por não beber álcool. Querem me fazer pensar isso, que sou errado, por ser correto. Há quem prefira mais passar o tempo em bares nas esquinas do que em suas próprias casas. Eu não, eu prefiro minha casa, meu lar, com minha família, é onde fico bem, onde me sinto em paz. Detesto ir a um bar, a qualquer bar, tenho ojeriza a isto.

Uma vez me sugeriram que eu devo ter algum tipo de trauma de infância, algo assim, para eu ter esta conduta. Acredite, um trauma. Esta pessoa que me disse isso, portanto, entende que a única explicação para fazer alguém não beber álcool, como eu não bebo, seria esse alguém ter passado por um fato marcante que o tenha traumatizado. Deus meu, porque será que é tão difícil, para quem bebe, compreender que há pessoas que não bebem, e que eu posso ter minha opinião de que beber é errado?

Enquanto o semáforo não esverdeava as mulheres continuavam a beber, e estes pensamentos povoavam minha mente.

Desperdício.

Desperdício de que? Eu explico.

Desperdício de tempo.
Estas mulheres podiam estar fazendo outra coisa mais produtiva. Certamente não estavam tendo uma conversa lá muito construtiva, normalmente em bares somente se conversa sobre futilidades, e mesmo quando o assunto é mais sério o álcool acaba por banalizar e confundir tudo.

Desperdício mental.
Elas podiam estar utilizando suas massas cinzentas de outra maneira. De forma mais criativa.

Desperdício de valor.
Acho que pessoas que bebem se desvalorizam. Ao gastar a vida nesta prática sem sentido, isso desvaloriza a pessoa. A bebida vulgariza o homem e a mulher. Acho horrível. Pra mim foi o que aquela cena me transmitiu, mulheres se desvalorizando, ao ficarem assim expostas, na esquina, bebendo daquele jeito.

Desperdício de neurônios.

Desperdício de saúde.

Desperdício de corpo físico.

Desperdício de alma.

Desperdício de vida.

Desperdício, desperdício, desperdício.

Deus nos concedeu nossas vidas certamente para fazermos algo mais importante do que este tipo de entorpecimento mental, moral, causado pelo álcool.

Entendeu?
Não entendeu ainda?
Não entendeu nada?

Ah, sai prá lá, bebum, tenho mais o que fazer.






P.S: Aqui vale uma explicação. Este texto é enfático, creio, especialmente na frase final, e isto é proposital, para demonstrar minha indignação. Mas é algo calculado, não quero mal aos que bebem, conheço vários e me entendo muito bem com estas pessoas. Vejam, o que me incomoda mais é a conduta na bebida de forma exagerada, mas claro há pessoas que bebem de forma contida, socialmente aceitável. Há aqueles que brindam, há os que tem o costume de tomar um ou dois cálices de vinho para acompanhar refeições, não vejo problemas, em geral, na bebida considerada social. O que me incomoda é o sujeito mudar, ter suas percepções e opiniões e palavras e conduta alteradas, influenciado pelo álcool, e, pensando bem, isto é muito relativo, varia de caso a caso. Conheço uma pessoa que após duas latas de cerveja já começa a ficar insuportável, e conheço outra que pode beber bastante que não muda, ao menos aparentemente. E, para aqueles que me conhecem pessoalmente e já me viram beber alguma vez, saibam que nunca bebi muito, sempre fui avesso à cerveja, chopp, nunca cultivei este hábito, mas bebia vez em quando principalmente em festas, mas pouca coisa, isso há anos atrás. Atualmente não bebo nada, há uns cinco anos que não bebo nem um copo de bebida alcoólica, este texto é fruto deste momento portanto.
Mas, saibam, nas vezes em que eu bebi, há muitos anos, mesmo que pouco, eu estava errado, é o que creio agora. 

E espero nunca mais voltar a beber, nem socialmente.
Minha busca é pela consciência, não o contrário.





sábado, 26 de setembro de 2015

Ao poeta


Foto: Waldir C. Marinho

há muito que não te via
saudoso do caro irmão
mas nem bem amanhecia 
alcançou meu coração

reencontro repentino
as notas, letras, o nó 
voltou-me ao peito o menino
a lágrima alçou o pó

desde moço que aprendi
com meu pai gostar-te assim
só que nunca percebi
que tanto gostas de mim

ah poeta que alegria
receber de ti tal flor
perfumar-me na poesia
com que me doas amor



P.s. Poeta, há tanto que te conheço, apresentado por meu pai quando criança. Já muito te ouvi, e achava que não mais me surpreenderia com algum presente teu, enganei-me. Ao pegar emprestado o carro de meu pai, cedo pela manhã, deparei-me num CD com uma de suas ternuras, inédita pra mim. Emocionei-me uma vez mais, e me veio em retorno esta poesia, um singelo agradecimento, que dedico a ti.




segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Num táxi em Teresina


Foto: Waldir C. Marinho

Ele devia ter uns 75 anos ou mais. Creio que bem mais que isso, ao menos era o que me demonstrava sua aparência. Marcas profundas no rosto. Pele maltratada pela vida dura.

Quem conhece a capital do Piauí sabe que do centro da cidade ao aeroporto são apenas uns dez minutos. Em horário de pico uns quinze. Foi este o tempo da conversa entre eu e o taxista.

Ele ouvia música local, eu comentei a respeito, fiquei sabendo que era um cantor evangélico. Esta foi a deixa para ele começar a falar de sua vida, aquele CD havia sido presente de uma ex namorada, foi ela quem o levou pela primeira vez a uma igreja, já com mais de 60 anos de idade. Falava com carinho da ex mulher, que havia sido uma pessoa importante na sua recuperação. Recuperação? Calado, continuei ouvindo seu relato.

Ao levá-lo para a igreja a mulher mudou sua vida. O relacionamento do casal findou, mas o dele com a igreja permaneceu. Deixou para trás um monte de coisa errada que fazia, dizia ele, agora era outra pessoa. Não contou detalhes das coisas erradas que fez, nem eu perguntei, ficaram em minha imaginação.

Tive grande simpatia por aquele Senhor que, de forma sentida e franca, me expôs detalhes de sua vida naqueles dez ou quinze minutos. Bonita a história daquele taxista e sua relação com a igreja. Tenho ciência do belo trabalho que muitas igrejas evangélicas, e outras, fazem pela recuperação de pessoas como ele pelo Brasil afora.

Lembrei de alguns comentários que já li, difamatórios, principalmente em redes sociais, criticando pastores e fiéis evangélicos. E outras religiões também. Não quero entrar no mérito do que motiva tantas críticas e, claro, respeito o direito de opinião de cada um. Mas quaisquer motivos que possam existir para tais críticas a meu ver perdem totalmente a relevância diante de algo tão marcante, bonito, grandioso, como a recuperação da vida daquele senhor, que conheci anos atrás, num táxi em Teresina.



quarta-feira, 29 de julho de 2015

Bem-vindo


Foto: Waldir C. Marinho

olhas para mim
e me pergunto o que vês
amor, reencontro, porquês?
tão frágil assim
neste teu, meu, renascer
seja bem-vindo meu bebê






sexta-feira, 19 de junho de 2015

Virou amizade


Foto: Waldir C. Marinho

Notei o casal de idosos à minha frente.
Ele devia ter quase noventa anos, ela uns oitenta.
Atitude carinhosa entre os dois, delicada.
Ele trouxe um café para a esposa, e enquanto ela bebia ele ficou acarinhando os cabelos da mulher com as mãos.
Palavras suaves, olhares, sorrisos.
Lindos.
Muito tocante ver pessoas assim que depois de tantos anos ainda demonstram tamanho carinho e respeito. 
Pareciam ser, sobretudo, grandes amigos.
Fiquei meditando sobre as vezes em que ouvi, como justificativa para processos de separação conjugal, a frase recorrente: "Acabou o amor, virou amizade".
Observei mais uma vez o casal de idosos e a grande cumplicidade entre os dois.
Virou amizade?
Talvez aí é que tenha começado o amor.




domingo, 10 de maio de 2015

Chamo por ti


Foto: Melissa Marinho

se estou amargurado
solitário
triste
chamo por ti

você me acode
me consola
me acalma
me abraça
me enxuga o pranto

sempre que eu precisar
sei que em ti poderei me apoiar
por mim esperará
me amparará
nunca me deixará sozinho

todas as pessoas
sem exceção 
seja lá como levam suas vidas
dos erros cometidos
dos crimes praticados
grandes ou pequenos
todas as pessoas
nos momentos de aflição
nas horas difíceis
até no momento derradeiro
se rendem e clamam
pedem amparo
socorro

sei que sempre me ajudará
sempre me compreenderá
sempre me perdoará

sei que sempre me amará
incondicionalmente

sempre

só de pensar em sua benção
chego às lágrimas
sinto paz

eu te amo

mãe


sexta-feira, 24 de abril de 2015

A geração KKK



Eu me dirigia à padaria próxima de minha casa imerso em pensamentos sobre um fato social que me tem perturbado ultimamente.
Quem sou eu para julgar alguém, mas é que esta realidade vem me incomodando
 muito.
Bem, é o seguinte, é que tenho visto hoje em dia, como posso dizer, uma espécie de, idiotização, nas comunicações sociais, é isso.
Será que fui muito severo nesta minha opinião?
Vai saber, mas atualmente está demais, demais.
Deixa eu tentar explicar.
Isso ocorre principalmente nas redes sociais, em especial no WhatsApp, mas também no Facebook e em outras.
É um tal de piadinha pra cá, vídeozinho prá lá, fotinha engraçadinha, desenhinho bobinho, como se uma grande parte das pessoas não levasse mais nada a sério.
Creio que isto ocorre bem mais entre os jovens.

Um envia um vídeo, os outros comentam, dão risadinhas, respondem com comentários ainda mais frívolos, enviam outros vídeos, mais risadinhas, e assim vai.
Isso tudo adornado pelo uso sofrível da língua portuguesa.
É "KKK" pra cá, "KKK" pra lá. 
Inutilidades diversas.
Se fizerem uma estatística a respeito, eu me pergunto, qual será o percentual de futilidades que são trocadas, minuto a minuto, nas mensagens do WhatsApp?
Eu me arrisco a dizer que perto de 90% das mensagens postadas são pura bobagem.
Onde estão as ideias, as discussões, onde foram parar as reflexões? 

Cadê as conversas sobre literatura, sobre filosofia, sobre arte, sobre religiosidade? 
Os assuntos edificantes? A consciência moral?
Porque tamanha superficialidade?
Porque?
Entrei na padaria em meio a estas reflexões.
Ao aproximar-me do balcão, uma surpresa. Um rapaz, de uns 20 anos ou menos, sentado com um livro ao lado. Dostoiévski. Será? Um garoto tão jovem lendo este escritor? O livro era "O idiota". Imaginem a cena, totalmente sugestiva para meus pensamentos do momento. Perguntei se era ele quem estava lendo aquele livro, confirmou. "Parabéns" - não me contive. Falei a ele de minhas últimas reflexões, trocamos algumas palavras e nos despedimos.
Nada está perdido, pensei, aquele rapaz se transformou numa espécie de herói, alguém que vai salvar o mundo de tanta idiotice.
Fiquei até um pouco incomodado, afinal eu mesmo nunca li Dostoiévski, rs.
Pois é.
Opa, acabo de ouvir aquele som característico, deixa eu olhar meu celular, recebi uma mensagem no WhatsApp.
Um vídeo, vou clicar play.
Até que é bacaninha este vídeo.
Deste estou gostando.
Bom mesmo.
Está quase chegando no final.
Que engraçado!
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK



terça-feira, 31 de março de 2015

Ela chorou


Foto: Waldir C. Marinho

Meu Deus. 
As palavras vieram, assim, inesperadas. 
Atingiram-me a alma.
"Quando meu filho foi morar em São Paulo, eu chorei".
"Ninguém viu, mas eu chorei".
De forma doce, como tudo o que ela fala e faz, disse estas palavras, timidamente, tão suavemente, como se acanhada em confessar a sentida emoção.
Já se vão quase 15 anos em que saí do Rio e fui para São Paulo, e minha mãe nunca havia falado nada parecido para mim.
Ah, mãe.
Ah, minha mamãe.
Teria bastado uma frase.
Meu filho, não vá.
Não vá.
Mas eu fui.
E, agora sei, ela chorou.
Eu também.




sábado, 28 de fevereiro de 2015

De todos

Foto: Waldir C. Marinho

há quem veja um Deus exclusivo
eu vejo diferente
este que me tolera
me ajuda
me abençoa até quando não mereço
este que sempre me ouve 
mesmo que eu nem sempre o ouça
este que é infinitamente justo e bom
este Deus é de todos
não de alguns
mas de todos
dos católicos
evangélicos
pentecostais
espíritas
umbandistas
candomblecistas
judeus
budistas
muçulmanos
seja lá qual for o credo
é Deus dos que acreditam
e também dos que se julgam ateus
dos cristãos
e também dos pagãos 
dos moderados
e também dos fundamentalistas
é Deus de todos os povos
raças
vontades
partidos
cores
opções
é Deus das famílias
e também dos moradores de rua
dos justos 
e dos nem tanto
dos homens de bem
e também dos criminosos
não importa quais crimes tenham praticado
este Deus é único
e de todos
povo de Deus
somos todos nós



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Momentos


Foto: Waldir C. Marinho

poentes encarnados
lua e estrelas
alvoradas de passarinhos

gestos de ternura
música da alma
o descobrir da poesia

o dia em que percebi que posso escrever
e que há quem se sinta tocado 
pelo que meu peito grita

quando venci o egoísmo e ajudei a um irmão
seu doce olhar de gratidão
de brilho inesquecível

nossas conversas íntimas
em prantos
eu e Deus

amor
muito amor
amor demais