domingo, 20 de novembro de 2011

Mano


Foto: Waldir C. Marinho


Vejo-o passar rumo ao quintal dos fundos, onde armazena materiais que recebe, por doação, de diversas pessoas. Garrafas pet, metais, etc. Vai juntando aos poucos, recolhe, guarda, organiza. Depois de dias enche o carro com estes materiais e leva para vender e doar os valores obtidos à caridade, para a creche onde faz trabalho voluntário. Organiza jantares, almoços, eventos vários, trabalha nestes eventos, vende rifas, livros, tudo isso para angariar fundos para a creche. Entra em contato com os sócios que contribuem com valores mensais, que por vezes esquecem de seus compromissos assumidos, mas ele os procura e os lembra, sempre com paciência, sempre de forma cordial. Busca novos sócios. Faz essas e muitas outras tarefas para esta creche.
Trabalho infindo.
Só quem já teve contato direto com alguma entidade assistencial sabe das dificuldades em manter o trabalho, por falta de recursos financeiros. Refiro-me às entidades filantrópicas sérias, reais, que fazem jus ao título, como esta pequena creche onde ele é voluntário.
Além desse trabalho voluntário ele tem, é claro, atividade profissional como qualquer um, e seu trabalho é exaustivo. Não raro testemunho sua rotina sem horários fixos, trabalha em finais de semana, feriados, a qualquer hora do dia ou da noite o celular da empresa toca requisitando seus serviços. É bem comum ele virar a noite trabalhando, sua empresa o consome demais. E ele ainda consegue tempo e forças para continuar como voluntário na creche que comentei.
E para muito mais. Ele continua, além.
Está sempre disposto a ajudar. A todo mundo. Familiares, amigos, vizinhos. Conserta uma coisa aqui, instala um aparelho ali, dá carona a uma pessoa hoje, toma conta do filho de algum amigo amanhã.
Está sempre disponível para, com toda boa vontade, servir, apoiar, ajudar.
Quando vejo pessoas comentando que não estão com tempo para fazer uma ou outra coisa, ou quando eu mesmo penso desta forma, nestes momentos eu lembro dele, do quanto ele consegue fazer com o tempo que dispõe.
Uma pessoa muito especial, meu irmão.
Ele faz tanto e não espera retorno, não aguarda nada em troca. Faz isso tudo com resignação, sem reclamar, sem incomodar a ninguém. Nunca ouvi uma só queixa. Ele vai e faz, ajuda, sem fazer qualquer alarde. E ainda acha que faz pouco.
Meu irmão freqüentemente liga para mim só para me perguntar "como estão as coisas?". Escrevo estas linhas e me pergunto, quando terei eu feito o mesmo por ele? Nem lembro. Nem sei se já fiz. E pior, creio que nunca agradeci por isso. E como estas suas ligações inesperadas já me fizeram sentir melhor em momentos de dificuldades. Sou muito grato a ele por isso.
Tem sempre a oferecer uma palavra amiga, um sorriso. 

Enquanto muitos no entorno, eu incluído, discutimos sobre detalhes menores da vida, meu irmão vai lá e ajuda a quem precisa e pronto.
E há pessoas que desdenham do que ele faz, fazem piada. Mas ele não dá a mínima. Em vez de se preocupar com com o que dizem meu irmão continua, firme, em seu trabalho de doação.
Outro dia ouvi alguém, em favor dele, lamentar: "Ele é uma pessoa maravilhosa, ajuda a todo mundo, e ninguém dá valor, ninguém!"
Deus dá.




P.S: Quem quiser conhecer a creche que comentei, onde meu irmão é voluntário, basta clicar no link: http://www.crechenossolar.org.br/


domingo, 6 de novembro de 2011

Perdido


Foto: Mario Marinho


Estava tomando café na padaria próxima de minha casa, domingo de manhã, lendo um livro, uma das coisas que eu mais gosto de fazer.
Levantei o olhar, algum movimento me chamara a atenção. Havia um rapaz do lado de fora, no estacionamento em frente. Conversava com uma pessoa que passava. Percebi algo estranho no olhar do rapaz. Ele deu um passo adiante e pude ver um copo em sua mão. Cerveja.
Continuei em minha leitura, ao menos tentei.
Imaginei inicialmente que seria alguém voltando da "balada". Quando vou aos domingos na padaria, bem cedo, é comum encontrar adolescentes voltando das noitadas, por vezes bebendo. Mas não parecia ser o caso daquele rapaz, as roupas, a idade, uns trinta e cinco ou mais, não combinavam muito bem. Também não aparentava ser uma dessas pessoas viciadas em álcool que parecem passar mais tempo nos bares que em suas casas.
Olhei novamente, ele caminhava meio tonto, e falava muito. Nove horas da manhã e o rapaz bêbado.
Voltei ao livro e ao meu café.
Logo o rapaz entrou na padaria, pediu outra cerveja, e começou a conversar com alguns funcionários. Não consigo nem descrever direito o que ele falava, palavras desconexas, sem lógica. Olhar vago. Independentemente de sua atitude inconveniente ele era tratado pelos funcionários da padaria de forma cordial, parecia ser um cliente conhecido.
Depois fiquei sabendo que aquele era um cliente antigo, uma pessoa querida por todos, e o motivo daquela situação era que o rapaz havia acabado de se separar da mulher, e há dois dias estava por ali, bebendo.
Terminei o café, fui saindo e, no momento em que pagava comentei com o atendente do caixa se aquele rapaz não teria um familiar ou um amigo que pudesse levá-lo para a casa dele.
O atendente comentou: "Pois é, tem cara que é assim, fica ligado numa mesma mulher a vida toda, aí quando se separa fica desse jeito, perdido. É por isso que eu tenho várias, ontem mesmo saí com duas".
Fiquei me perguntando quem estaria mais perdido.