sábado, 3 de março de 2018

Toque


Foto: Waldir C. Marinho
Era bem cedo, aqueles momentos do nascer do dia, mágicos, em meio a quase silêncios, em que a névoa irradia os primeiros raios e a natureza a dialogar conosco com suavidade, delicadeza, sussurros. Colinas verdejantes aos poucos desnudadas pela luz nascente. O ar fresco a me acarinhar através da janela do meu carro, sons, imagens, sentires. Ouvia um CD do grupo Boca Livre, lindo, e lá no meio de tudo uma canção me surpreendeu. Bastaram os primeiros acordes. Só de escrever agora e a emoção ressurge. Se a sanfona chora eu canto, canto de coração... Ah, naquele dia, naqueles momentos, como chorei. De lá do interior de São Paulo, na estrada rumo à Sorocaba, em um frio início de manhã, as notas arrebataram-me, transportaram-me, a meu pai.

Em alguns momentos em nossas vidas sentimentos nos brotam sem que saibamos bem o motivo. Emoções que parecem irromper no peito sem muitas explicações. Trazidas à tona por estímulos, nem sempre imediatamente identificáveis. Por palavras, quem sabe por odores, sabores, sons... Elementos que parecem nos remeter talvez a nosso passado, a instantes de ternura impregnados em nós, que se conectam a nossa essência de uma forma inexplicável, mas drástica, a ponto de trazer uma emoção, uma lágrima, ou várias, à superfície. Isso acontece comigo normalmente ouvindo música. Basta um trecho, por vezes algumas notas. Não é frequente, mas marcante.

Fico imaginando, para estas pessoas, que conseguem provocar este tipo de sensação, como já provocaram comigo, que benção. Artistas, escritores, músicos, poetas. Arautos da divindade.

Escrevo. Coisas simples, mas sinceras. Quem sabe minhas palavras possam, um dia, fazer este bem a alguém, trazer esta conexão. Despertar emoções como as que já tive. Alcançar a sensibilidade de outrem. Que seja uma única vez. Promover este suave, toque, n'alma. Talvez seja pretensão. Prefiro chamar de esperança.






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