domingo, 9 de janeiro de 2011

Folia



Foto: Waldir C. Marinho


Se a sanfona chora eu canto
Canto de coração
Quando a folia passa
Puxando a multidão
Mão de pegar enxada
Dura como uma pedra
Quando pega na sanfona é rosa amarela
Voz que com gado berra
Já criou calo na goela
Quando vem cantar folia
Vai pintando uma aquarela
Quando vem cantar folia
Vai pintando uma aquarela

( Trecho de “Folia”, grupo Boca Livre, composta por Lourenço Baeta e Xico Chaves )

Esta é uma canção muito especial para mim. Fala da Folia de Reis, tradição folclórica de origem religiosa que acontece em pequenas cidades de alguns estados brasileiros. São grupos musicais nos quais pessoas fantasiadas saem pelas ruas e praças, visitam as casas dos vilarejos fazendo festa, recitando poemas em improvisos, tocando músicas, dançando, etc. Estas folias acontecem no período de festas, próximo ao Natal e o Dia de Reis, e normalmente são realizadas por pessoas comuns de regiões rurais. Pessoas que trabalham o ano inteiro na roça, embrutecidas pela vida, mas que se permitem, nesta época, aflorar seus talentos como músicos, dançarinos, poetas. Tudo muito simples, mas de uma riqueza sem igual. Esta música fala disso, sobre como o trabalhador da roça, matuto, simples, embora rude consegue demonstrar leveza e sensibilidade ao sair na Folia de Reis. Meu pai sempre me falou destas folias, ele viveu isso em sua infância, em Santo Antônio de Pádua, cidade interiorana do Rio bem próxima à fronteira de Minas Gerais. Lá na cidade dele a Folia de Reis é muito tradicional. Então esta música é muito especial porque além de ser muito bela, uma das mais sensíveis e bonitas que já ouvi, também me faz lembrar muito de meu pai.

Eu sempre tive vontade de conhecer uma tradicional Folia de Reis. Tentei isso no período do Natal de 2009 em viagem para a terra de meu pai e não foi possível. Mas agora, em Janeiro de 2011, em viagem para lá novamente finalmente consegui. E foi uma experiência única. E minha filha estava junto comigo.

Quando vamos para a terra do meu pai ficamos hospedados na casa de uma família que ele conhece há anos, desde a infância. Eles moram lá no meio da roça, um lugarejo em meio a estradas de terra, muito mato, vegetação intensa. Lá tem gado, animais diversos, carro de boi, ordenha de madrugada, galinhas pelo pátio, porcos atravessando o caminho à frente do carro, fruta no pé, etc.

Esta família que nos acolhe é muito querida, pessoas simples e de poucas posses materiais. Eles ficam muito felizes com nossa presença, contam os dias aguardando com ansiedade nossa visita anual. Desta vez foi uma ocasião ainda mais especial para todos pois estávamos lá no dia do aniversário de minha filha, comemoramos todos juntos. Eles ficaram muito felizes em passarmos esta data especial com eles. Isso foi há alguns dias.

Neste dia, no aniversário dela, Dia de Reis, aconteceu um fato interessante. Estávamos eu e meu pai juntos ao chefe da família, o Sr. Antonio, também chamado de Toinho, tomando café bem cedo aguardando minha filha acordar para darmos os parabéns a ela. O Sr. Antonio é um amigo de longa data do meu pai, tem 64 anos de idade, e tal como diz a música, é uma pessoa da roça, matuta. Acorda todos os dias lá pelas 4 da manhã para tirar leite das vacas, passar o arado, etc. Pessoa da terra, rústica, de exterior endurecido, pelo trabalho braçal, pelas dificuldades do dia a dia, pela vida.

Quando minha filha acordou e se aproximou de nós durante nosso café, o Sr. Antonio, muito educado, pediu permissão para dar um abraço nela. Deu um abraço apertado. Ao se separar dela reparei que o Sr. Antonio estava com os olhos vermelhos, rasos d’água. Chorava, um tanto envergonhado pela emoção imprevista, impossível de conter e esconder. Todos olhamos para ele que, sem jeito, enquanto limpava algumas lágrimas, soltou uma única palavra: “Emocionei”.

Pois é, no Dia de Reis, no aniversário de minha filha, ao abraçá-la, o Sr. Antonio teve sua folia particular. Seu exterior sofrido, endurecido, não conseguiu evitar externar a sensibilidade.

Mais um presente que minha filha ganhou em seu aniversário. A emoção do matuto. Aquarela. Uma rosa amarela.





2 comentários:

Unknown disse...

Tio adorei esse texto.Você foi muito bem na descrição dos fatos que aconteceram em santo antônio de pádua e achei o texto muito profundo e emocionante também.Continue assim!!!
Abração.

Unknown disse...

Victor, fiquei feliz com seu comentário. Sempre que escrevo alguma coisa fica uma certa dúvida se eu consegui ou não passar o que pretendia, e seu comentário demonstra neste caso que consegui, que você foi alcançado pelo texto. Que bom. Obrigado pelos incentivos e os comentários de sempre. Abraço.