sexta-feira, 18 de abril de 2014

O campanário


Foto: Waldir C. Marinho

Aqui estou na praça central de uma pequena cidade do interior de São Paulo. Oito horas da noite, domingo de carnaval. 
Muitas pessoas, em grupos, conversam, riem, algumas dançam, ao som alto que chega de um palco próximo. Defronte ao palco a maior aglomeração. Músicas tocam, os últimos modismos musicais, destes que volta e meia atingem o país inteiro. Vejo várias pessoas se movimentando em uma mesma dança, uma espécie de coreografia, como ocorre com tantas músicas hoje em dia. Chego a ver até uma criança de menos de cinco anos de idade imitando a tal dança, com insinuações sexuais, imaginem, e os adultos à volta da criança estimulando tal coisa, rindo muito. Pessoas bebem álcool, e como bebem. Bebem e bebem, por toda a parte. Imagino que além de álcool outras coisas menos recomendáveis também estejam sendo usadas, vai saber. Em dado momento passa um bloco carnavalesco, som altíssimo, instrumentos típicos, passistas, fantasias, carro de som, à frente algumas pessoas sambando no asfalto, seminuas. Música, festa, dança, paquera, barulho. Pessoas agindo de forma desrespeitosa para com o próximo, atitudes de leviandade, despudor, irresponsabilidade, etc.
Reflexivo, calado, observo tudo o que ocorre em meu entorno ali nesta praça. No carnaval parece que surge uma espécie de regra social, todos devem ficar "felizes". Algum tipo de euforia contagiosa parece atingir a todos. As pessoas são contaminadas por tal movimento, motivadas por valores estranhos, algo a meu ver fútil, superficial, efêmero. No meu entender o que todos sentem é muito distante da real felicidade. Ilusão. 
Por vezes tenho uma sensação, nem sei explicar bem, de desconexão com o que vejo à minha volta. Neste carnaval, ali nesta praça, no interior de São Paulo, este sentimento fica exacerbado. Tantas coisas incompreensíveis para mim são valorizadas pelas outras pessoas, ao extremo. Ao observar estas pessoas sou atingido por esta sensação. 
Desconexão. 
Pareço não pertencer a este lugar. 
Em meio a tanta gente, sinto certa... solidão.
De repente, por algum motivo, tenho o ímpeto de desviar o olhar daquilo tudo, olho mais para o alto e tenho uma visão diferenciada. Por sobre as copas das árvores da praça vejo o campanário de uma igreja próxima. E na parte mais alta da torre, contrastando com o céu noturno, uma bela e iluminada cruz. 
A cruz de Jesus.
Observo por alguns instantes aquela imagem, bela imagem, que me traz paz.
A visão do campanário me faz, aos poucos, sentir-me melhor.
Logo estou, timidamente, sorrindo.
Durante o tempo em que permaneço na praça por algumas vezes procuro aquela linda vista, o campanário iluminado.
Meu íntimo se modifica, vou ficando mais paciente, mais calmo.
Mais consciente de outras coisas que não havia ainda percebido.
Também há beleza nesta praça.
Pessoas amigas, em atitudes de confraternização.
Lindas árvores.
Idosos.
Crianças brincando.
Alegria, sincera, simples, inocente.
Sorrisos.
A sensação de desconexão vai gradativamente findando.
Aos poucos vou conseguindo absorver o que há de melhor nestes momentos, também bons momentos, e eu estou junto a pessoas muito queridas, que merecem a minha plena, generosa, companhia.
Começo, enfim, a conseguir também me divertir.
E, afinal, a minha presença neste local, que abriga coisas boas e também coisas não tão boas, não deve ser à toa.
Se aqui estou nesta praça certamente é porque sou parte integrante dela.
É exatamente onde eu devo estar.
Acima, só o campanário e sua cruz.
Acima, só mesmo Jesus.




P.S.: Ao aproximar-me da igreja pude registrar esta foto que ilustra o texto.





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