sábado, 9 de outubro de 2010

Esperando por nós



Segue abaixo um relato do que ocorreu em 2009 quando eu ainda morava no “Cafofo”. Quem me conhece pessoalmente nos últimos anos sabe que Cafofo era o apelido da minha ‘casa’ quando eu aluguei um quarto próximo à Av. do Cursino, em São Paulo. Fiquei morando neste quarto após o fim do meu casamento, e enquanto meu apartamento no Butantã, onde moro agora, não ficava pronto.

A Av. do Cursino é localizada em um local humilde em São Paulo capital. Pois bem, uma vez estava nesta região me dirigindo à Av. dos Bandeirantes, uma avenida importante, para chegar ao local de meu trabalho. Em dado momento o trânsito parou, é claro. Em São Paulo "trânsito parado" é pleonasmo. Rsrs. Estou exagerando, mas nem tanto, só um pouco. Fiquei ali, aguardando, ouvindo música no carro. É um lugar humilde, repito. Pessoas nas ruas, e me chamou a atenção uma menina adolescente e uma criança caminhando na calçada à minha esquerda. Eu passei por eles. Parei novamente por conta do trânsito. Eles passaram por mim. Foram adiante. Depois andei mais um pouco, parei novamente. Nesses momentos o menino tentava colocar um casaco de crochê. Casaco verde. Ele tentava enfiar um braço pela manga, com dificuldade. A mãe, ou irmã, à frente, voltava a cabeça pedindo para ele colocar o casaco. O menino de no máximo uns 6 anos. Homenzinho, fiquei orgulhoso dele, não sei explicar bem porque, caminhando ao lado da menina, um pouco atrás dela, com atitude já meio adulta. E tentava colocar o casaco de crochê. Chamou-me a atenção, naquele momento, as roupas humildes dos dois. Não conheço alguém que use casacos de crochê, a não ser pessoas mais idosas, parece algo mais adequado em uma senhora. Talvez tenha sido o presente da avó daquele menino. Senti-me meio incomodado pois acabara de comprar um casaco um tanto caro. Fiquei olhando aquele menino com o casaquinho de crochê verde. Pessoas humildes, simples como aquilo que possuem, mas felizes. E enquanto o menino do casaco de crochê foi em frente, virou a esquina, avançou, eu permaneci, no meu carro confortável com ar-condicionado, ouvindo meus CDs, parado no trânsito...

Esta cena ficou em minha mente desde aquela época, no início de 2009.

Por vezes dá certa vergonha de ter posses, ter roupas boas, ter um carro legal, pois outras pessoas não tem quase nada. Isso se passa no meu íntimo principalmente no trânsito quando aparecem pessoas pedindo dinheiro, vendendo coisas, etc. Normalmente 'esquecemos' que este tipo de coisa existe até que algumas dessas pessoas passam na nossa frente. Ao menos acontece comigo.

Mas não podemos ter roupas, carro, nossos bens ? Acredito que sim. O total desprovimento não é adequado a ninguém, claro, mas há certos exageros no sentido inverso. Há de haver um caminho, intermediário. Nem tanto, nem tão pouco.

Uma vez assisti a uma palestra no evento "Expo Management", não sei se conhecem, mas é um evento sobre Marketing e Gestão de empresas que acontece em São Paulo todo ano. Foi uma palestra do Prof. Carlos Alberto Júlio, organizador do evento. Não esqueço esta ocasião pois foi muito especial, o palestrante se emocionou, contou coisas incríveis de sua vida, etc. Quero enfatizar algo que ele falou na palestra, sobre estas pessoas menos favorecidas, socialmente, financeiramente, culturalmente. Ele chamou a todos os presentes naquele anfiteatro para a responsabilidade. Apontou para cada um e disse: "Nós todos, que temos educação, que temos cultura, que temos conhecimento, somos responsáveis por estas pessoas..."

Meus caros, estamos acima da média. Acima da média nacional, culturalmente falando, financeiramente falando também. Todos nós, com algumas exceções, que estamos agora mesmo desfrutando de um computador, da internet, lendo este texto em um blog, tendo interesse e compreensão para tal, todos nós estamos acima da média. Podemos ainda crescer muito, mas certamente fazemos parte de um grupo seleto. E PORTANTO TEMOS UMA RESPONSABILIDADE ENORME. Isso me assusta.

Um cara que estudou comigo na FAAP trabalha no Bradesco Prime, aquela divisão do Banco Bradesco voltada a clientes de maior poder aquisitivo. Uma vez ele fez uma apresentação sobre o Bradesco Prime na FAAP, enfatizando a questão da segmentação de mercado, público-alvo, etc. Pois bem, ele mostrou uma estatística de ganhos mensais por brasileiro economicamente ativo, e era incrível. Eu fiquei surpreso. O percentual da população que ganha acima de 1.500 reais por mês era algo em torno de, acreditem, 2%. Talvez eu esteja errando os valores, talvez seja mais ou menos que 1.500 reais, ou o percentual também seja diverso, mas não deve ser muito diferente do que eu citei acima.

Meus caros, em qual dos dois grupos vocês se encontram ? Esses números agridem. Pois é, quem está no menor grupo tem ou não tem responsabilidade, como disse o Prof. Carlos Alberto Júlio ?

Sim, precisamos curtir nossas vidas. Devemos. O fato é que o conforto, a beleza, os restaurantes, o shopping, tudo que está por aí e existe para ser curtido, está à nossa disposição, temos direito a isso, acho eu. Mas acredito, sem exageros. Hoje é muito mais fácil explicar à minha filha que ela não deve valorizar somente a marca pois isto não é garantia de qualidade, nem tudo o que é caro é bom. É mais fácil explicar porque ela já tem 11 anos e é bem esperta. No entanto ela tem uma mala da Kipling, eu comprei e fiquei muito contente em presenteá-la. Uma mala que não foi barata, quem conhece sabe. Eu fiquei feliz em dar a ela pois ela merece, muito, e ela ficou muito feliz em ganhar. Mesmo no meu caso, quando eu vou comprar tênis para mim eu escolho qual ? Nike. Certamente eu não tenho direito algum de reclamar se a Melissa tiver vontade de ter um tênis da Nike se eu mesmo gosto e uso.

Pois é, não é fácil, quando nós mesmos sofremos as mesmas influências, e não resistimos.

Mas acredito que o caminho intermediário é possível, existe, e é viável. Estou tentando explicar isso. Não sei se estou conseguindo.

Certa vez eu comprei um tênis da Nike de 150 reais. Outra vez comprei um de 200 reais. No caso da Nike são alguns dos mais baratos. Não eram os mais bonitos pois os mais bonitos são muito mais caros, é sempre assim, rsrs. Talvez um dia eu compre um de 300 reais, sei lá. Mas há aqueles de mais de 600 reais ou mais, sei lá quanto, esses eu não quero. Eu comprei o de 150 reais e disse isso à Mel, mostrei que optei pelo mais barato.

A gente fica tentando encontrar justificativa para nossa falhas, vícios, etc. Ok eu sei. É uma luta diária, mas ainda acho que dá para ter uma conduta, dentro desta confusão toda, de forma a ser mais moderado, não se deixando levar pelos exageros extremos.

É claro, não estou falando aqui de bens básicos, de saneamento, de higiene, saúde, etc. Sabemos que isso infelizmente faz falta a milhões de pessoas. Não esqueço quando da inauguração da creche em que meu irmão Sérgio trabalha como voluntário, num local muito carente no Rio de Janeiro. Algumas daquelas crianças não sabiam utilizar o vaso sanitário pois nunca tinham visto um vaso sanitário.

E aí, isso lhes assusta ? A mim assustou na ocasião.

Eu há muito pouco tempo, há uns 5 ou 6 anos, nem sabia o que era Jazz. Hoje eu amo. Dificilmente deixarei de escutar Jazz. Caminho sem volta, não acho que eu consiga um dia deixar de curtir isso ( também gosto de Bruno e Marrone e outros, rsrs. ). O que o Jazz seria para uma grande parte da população ? Nada. Assim como não era para mim antes. Aprendemos, criamos valores, adquirimos conhecimento, cultura, somos únicos, cada um na sua. Valorizo minhas roupas talvez da mesma forma que a menina que pedia para o menininho colocar o casaco de crochê, presente da avó, talvez mãe dela. Ou talvez não, pode ser que ela não queira bem aquilo, talvez um dia ela consiga um outro patamar e esteja buscando isso, espero que sim. Ou se este "outro patamar" não possui valor para ela às favas com o "suposto" outro patamar, suposto no sentido de ser algo melhor. Tudo é relativo. Meu pai até hoje não dá a mínima se usar uma camiseta rasgada, nem percebe. E minha mãe atrás dele com uma camiseta nova na mão "Troca esta que está rasgada"!!! Rsrsrsrs. Lembro de uma camiseta rasgada que meu pai gostava de usar de um bloco carnavalesco lá de Rio das Ostras ( município na Região dos Lagos, RJ ), camiseta com desenhos de um bloco chamado "Blocana". Rsrs.

Aliás tem uma história do meu pai que ilustra bem isso, diferenças sociais e valores. Ele comprou um apartamento na Barra da Tijuca, bairro bacana no Rio. Isso há uns 12 anos ou mais. Infelizmente ele teve que vender há alguns anos para se capitalizar. No condomínio dele moravam jogadores de futebol, era um lugar de certo luxo, à noite podia-se ver e escutar o mar. A visão do mar lá de cima era a coisa mais linda. E o meu pai, em meio a isso tudo, descia do apartamento com a vara de pescar no ombro, sua camiseta rasgada ( ou não, rsrs ), e ia à praia para pescar caminhando. E saibam que, na Barra da Tijuca tem uma lagoa, lagoa de Marapendi. Próximo ao prédio há uma ponte, na Av. Ayrton Senna, por sobre esta lagoa. Depois de tentar algumas vezes pescar na praia, sem muito sucesso, até pelo movimento grande de banhistas, meu pai resolveu passar a pescar na lagoa, e aí ia caminhando na direção oposta à da praia até esta ponte, com sua vara de pescar no ombro e sua camiseta rasgada ( desculpe aí, pai, mas acho essa história da camiseta rasgada o máximo ! rsrs ). Ele caminhava até a ponte, descia pelo "matinho" na lateral e pescava lá debaixo. Só que o interessante é que, ao fazer isso, descobriu que uma família morava debaixo daquela ponte, em plena Barra da Tijuca, zona nobre do Rio. Creio que as "forças opressoras" do estado nunca perceberam aquilo. Tratava-se de apenas duas famílias, dois casebres, um em cada margem, sob a mesma ponte. O pai da família que meu pai conheceu, da margem mais próxima ao apartamento, também era pescador. Então meu pai ficou amigo dele. Meu pai ia sempre lá para pescar e conversar com o cara. Eu cheguei a ir lá algumas vezes com ele. Sinto-me muito orgulhoso de meu pai com esta história.

Para concluir isso tudo, eu quero lembrar novamente da inesquecível palestra do "Prof. Júlio".

Somos responsáveis por estas pessoas, todos nós aqui, e ele apontou a todos, inclusive para mim, claro. Ele me apontou e me cobrou. Mostrou minha culpa, minha chance de fazer algo, me provou que eu tenho conhecimento intelectual, situação financeira, etc. para isso, me marcou pelo resto de minha vida com aquelas palavras.

O significado do que ele disse era também no âmbito profissional, da necessidade de ajuda profissional especializada. Ele disse que "estas instituições, creches, orfanatos, instituições de ensino para carentes" precisam de mão de obra, sim, de ajudantes, de força braçal, sim, mas também precisam principalmente de administradores, de profissionais de marketing, de publicitários, professores, etc.

O que eu estou tentando dizer desde o início é que temos direito sim de curtir o que nos é importante, comprar nossas roupas, ir a nossos cinemas, teatros, ler livros, poesia, tecnologia, usar nossos notebooks, tornar nossas almas mais felizes já que isso tudo nos traz felicidade.

Temos direito a isso tudo, sim.

Mas primeiro: Não podemos exagerar. Há exageros, importantes, por aí.

Eu tive um relógio Technos por vários anos. Era ótimo, não oxidava, era lindo, funcionou este tempo todo com apenas duas trocas de bateria. Não estou usando mais porque cansei dele e vou em breve comprar outro. Custa, hoje em dia, em torno de 250 reais. Vale o preço ? Sim, vale. Há mais baratos ? Certamente há, mas não confio. Quando eu for comprar outro, comprarei qual ? Comprarei um Technos, óbvio, ou marca similar, de igual qualidade.

Eu uso meias da Lupo. São caras ? Pode-se dizer que sim. Mas duram 5 anos ou mais, sem exagero. Aquelas que eu comprava em lojas mais populares, a 10 reais, ou menos, o pacote com 5 pares duravam quanto tempo? Sei lá, alguns meses.

Agora, existem relógios e meias mais caros que estes que citei ? Sim, MUITO MAIS CAROS. Eu acho o Shopping Iguatemi da Faria Lima ( São Paulo – SP ) um exemplo interessante disso. Acho engraçadas algumas daquelas vitrines. É um "templo ao luxo exagerado". Você vê lá gravatas que custam mil reais, chinelos que custam 800 reais, ou mais, bolsas que custam 4 mil reais. Sem falar nos relógios de 20 mil reais. Saio de lá achando minhas meias da LUPO, tênis NIKE, relógio TECHNOS, etc. tudo muito barato. Bem, nem tanto, mas reduz minha culpa e me faz mais pé no chão fazendo repensar meus próprios valores.

Mas, claro, aquilo que eu compro pode ser considerado um “luxo exagerado” também comparado ao que muitos outros possuem. Assim como os exemplos que citei do Shopping Iguatemi, que não possuem valor e parecem exagero para mim mas são importantes e habituais para outras pessoas. Cada um na sua, cada um sabe de si, continuo acreditando que o caminho intermediário é possível, e este caminho é próprio de cada um de nós. Cada pessoa tem o seu caminho.

Então o primeiro ponto é este: MODERAÇÃO. Podemos curtir sim, tudo isto, mas vamos "devagar com o andor". E nesse primeiro ponto quero incluir a responsabilidade que temos por nossa família, nossos entes queridos que dependem de nós e cuja formação cultural, valores, caráter, somos diretamente responsáveis. Filhos e quaisquer outras pessoas íntimas e familiares que estão à nossa volta. Pessoas que influenciamos.

E o segundo ponto ?

O segundo ponto, que não deve ser esquecido nunca, e que eu esqueço sempre, é o "CHAMADO DO PROF. JÚLIO".

SOMOS RESPONSÁVEIS POR ESTAS PESSOAS, QUE NÃO POSSUEM QUASE NADA. QUE POSSUEM MENOS QUE NÓS, NÃO APENAS MENOS BENS MATERIAIS, MENOS CULTURA, MENOS INFORMAÇÃO, MENOS SAÚDE, MENOS CONFORTO, MENOS TUDO !!!!

Então se queremos desfrutar daquilo que gostamos, se queremos estar em paz com Deus, com o alto, com nós mesmos, afinal Deus está em nós nos cobrando o tempo todo, então precisamos FAZER ALGO por estas pessoas.

E quanto mais consciência temos, mais responsáveis somos.

Estou GRITANDO ISSO PRINCIPALMENTE PARA MIM. Até porque quem sou eu para dizer a vocês alguma coisa sobre isso !?!?

Tenho certa cultura, tenho situação financeira razoável, nada demais mas algum conforto, tenho vontade de ser professor, tenho vontade de ajudar, e não faço nada. Não estou me livrando da responsabilidade, longe disso, estou lançando a idéia e imediatamente vestindo a carapuça. Aliás a carapuça coube perfeitamente, é do meu tamanho exato.

HÁ PESSOAS QUE ESTÃO ESPERANDO POR MIM. Por nós, meus caros. Caraca, sei disso há anos, há anos. E NÃO FAÇO NADA.

Me envergonho, de minha própria postura, ao ver alguém como meu irmão Sérgio, meu irmão de luz. Ele sim faz tanto por tanta gente. Ele não apenas é voluntário, ele se doa de forma muito intensa ao trabalho assistencial. E há pessoas que fazem piada dele, de sua entrega, mas ele não dá bola, quer ajudar, vai lá e ajuda, e pronto. E está sempre com um sorriso no rosto, com uma palavra de atenção, de carinho, de amor. Incansável, meu irmão. Tenho muito orgulho dele.

Termino por aqui. Abraços. Bom fim de semana a todos.



7 comentários:

Vítor Thomaz disse...

Acho que essa carapuça é de número 42, pois vestiu muito bem em mim também!

Acredito que a rotina que não perdoa um minuto sequer nos faz ficar dormentes para o primordial da vida que é o AMOR.

Estamos constantemente sendo sacudidos para a realidade por diversas maneiras e esse texto pode ser considerado uma delas.

E a reflexão fica ...

"...HÁ PESSOAS QUE ESTÃO ESPERANDO POR MIM. Por nós, meus caros. Caraca, sei disso há anos, há anos. E NÃO FAÇO NADA."

Encerro meu comentário com as palavras do Autor de todo amor que possa haver dentro de nós.

"Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu espírito.
Este é o maior mandamento.
Eis o segundo, que é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos depende toda lei e os profetas." (Mateus, 22: 37 o 40.)

Grande Abraço.

Smiley Castelo Branco disse...

Mandou bem Waldir! Texto reflexivo e do bem. Acho que nós na vida cometemos injustiças de duas formas: uma é fazermos coisas que sabemos que é errado e a outra é deixar de fazer coisas que sabemos que é certo. Quanto ao equilíbrio, concordo plenamente com você, queiramos a luz,mas queiramos ser o sol! Abraço meu amigo, a sua atitude de colocar este texto já lhe fez maior, até.

Smiley Castelo Branco disse...

Em tempo Waldir, faltou o "NÃO", no querer ser o sol, abraço!

Unknown disse...

Grande Vítor, seu comentário disse tudo.
E a reflexão fica...
Que nós possamos deixar de ficar apenas nas palavras e de fato fazer o que Jesus nos ensinou, mas que teimamos em não querer aprender.
Abraço.

Cristiano Costa disse...

cara!
o visu do blog tá nota 10 e os textos, idem!
abração!

Unknown disse...

Falaaaaaa Chrisssssshhhhhhhh !!!!
Valeu pelos elogios !!!
ABRAÇO !!!!!!

Unknown disse...

Smiley, valeu !!! ABRAÇO !!!